
Na verdade, talvez não seja tão surpreendente assim. Afinal, Luna sempre se mostrou interessado pelo folhetim, sempre gostou de histórias fortes, entre a transgressão e o popularesco, seja qual fosse o gênero do filme. Dessa vez o que temos é uma crônica da corte, disfarçada de filme de mistério, numa trama que se inicia com o envenenamento da Duquesa de Alba, que teria sido a modelo do célebre quadro de Goya que dá nome ao filme. O crime gera uma investigação, e flash-backs nos põem a par do cotidiano de intrigas da corte e dos possíveis suspeitos do assassinato.
A confusão causada pela memória dos nossos diferentes narradores permite ao fime flertar com os gêneros a que se propõe, tanto o já citado jogo de mistério resolvendo-se por flash-backs, como pela crônica da corte, e também pela discussão da origem da obra de arte, no intrincado jogo de retrato e memória que o quadro simboliza, para o artista, para o mecenas ou para quem posou.
Nesse jogo de um tema que se enreda noutro, o filme nos seduz e surpreende, não pela trama, até bastante óbvia, mas por seu interesse em humanizar, e não santificar ou satanizar, as figuras da corte. Parece que todo o filme busca justificar o desgosto de Goya, fiquei achando um pouco que a intenção é de entender a reviravolta que o pintor deu em sua vida quando abandonou a função de retratista da corte. Numa comparação com a versão da vida do pintor oferecida na mesma época por Saura e Storaro, o filme de Luna parece querer chamar a atenção para este período decisivo. O cineasta, assim, ao invés de assumir uma posição reflexiva, buscando repetir ou representar as imagens de Goya em película, prefere a posição do narrador, aquele que conta histórias para entender os gestos e idéias.
(O que pode ser discutível é essa hipótese de explicar opções e rupturas estéticas a partir de fatos da vida cotidiana. Mas o filme não nos obriga a essa interpretação, apenas sugere).
Não importa, tudo isso são digressões que o filme estimula. Mas ele se sustenta sozinho, e muito bem. É daqueles filmes que não justificam elogios isolados, do gênero “a fotografia é deslumbrante” ou “os atores estão perfeitos”. Tudo é elogiável, mas o que é preciso dizer é que o conjunto é harmonioso e instigante. É um grande mérito.

Texto publicado em outubro de 2000