21/07/2008

Todos os filmes do mundo

(respondendo à questão: entre todos os filmes feitos, qual você gostaria de ter assinado?)


A Saída das Usinas Lumière
, do dr. Louis, só pra ser o primeiro, claro. Ou poderia ser L’Arroseur Arrosé, feito na seqüência, só porque foi o primeiro filme a ter montagem. Filmar, revelar e projetar seu primeiro filme é uma alegria e tanto pra alguns. Mas pros irmãos Lumière a coisa deve ter tido uma emoção bem especial. Até que ponto eles puderam imaginar?...

Mas, se fosse mesmo para lembrar dos primeiros filmes, acho que preferiria O Laboratório do Diabo, A Viagem à Lua ou algum dos Sonhos do Méliès. São geniais, e dá pra desconfiar que as filmagens eram uma farra tremenda!

Também gostaria de ter feito a filmagem do homem na Lua, aquela dos americanos, inclusive porque parece falsa.

Simão do Deserto, porque é muito engraçado, muito sacana, é curto (foi rápido de filmar) e mostra os seios da Silvia Piñal.

O especial João e Antônio, que foi dirigido pelo Walter Salles para a Globo. Ou, pensando bem, nem tanto... desconfio que a experiência de filmagem não deve ter sido das melhores. Mas, no final das contas, eram João Gilberto e Antônio Carlos!... Na verdade, muita gente já quis filmar João Gilberto de uma forma caprichada – nessa turma podemos incluir gente da categoria de Glauber, Sganzerla, Walter Lima ou meu compadre Marcinho Menezes – mas não deu pé pra ninguém. Salles pelo menos teve a chance de registrar algumas apresentações. Gostaria de ter feito, e gostaria que o filme tivesse dado mais certo – mas aí seria preciso que as relações entre João e Antônio fossem menos complicadas. Ao fim e ao cabo, gostaria que o mundo fosse mais fácil. E quem não?...

Gostaria de ter feito quase todos os desenhos que eu vi do Tex Avery. Rir é o melhor remédio. Um filme só? Seria então Magical Maestro? Bad luck Blackie? King Size Canary? A Wild Hare? Ou Daffy Duck In Hollywood? Acho que fico com os do Screwy Squirrel – fico com Screwball Squirrel, pra definir logo. Certamente porque é um desenho de matar de rir, e porque o final mostra que o cinema guarda suas surpresas. De todo modo, o personagem foi um fracasso – era maluco demais, e olha que Avery já tinha criado o Patolino!... Screwball Squirrel, então, mas realmente gostaria de rever The Legend of Rock-a-bye Point para decidir de vez.

Também gostaria de ter feito Camille Claudel, mas só porque o cara que fez era casado com a atriz principal, a Adjani. Pela mesma razão, O Pátio, porque Helena Ignez era muito bonita mesmo.

O Homem que Matou o Facínora! Será que dava pra fazer uma versão tropical de Liberty Valance? Lee Marvin tirando onda de Zé Pequeno? Mas em que ponto está o nosso conflito entre civilização e cultura? Será que nos libertamos dos nossos Liberty Valance, será que eles já são parte do nosso passado? Será que nossos Ransom Stoddard são confiáveis? Ou será que ainda estamos no tempo de depender da ajuda de Tom Doniphon?

Tem certos casos em que dá vontade de ter feito só pra fazer o filme ser diferente, consertar o que a gente não gostou. Pra dar um exemplo bem próximo e recente: como fã, bem que eu gostaria de ter feito um filme bom sobre o Paulinho da Viola. Ou, pra dar outro exemplo, gostaria de ter feito O Que É Isso, Companheiro... talvez assim fosse possível evitar que se fizesse um filme sobre o período dos militares em que o herói é o embaixador americano, os torturadores têm dramas de consciência e quem é mau mesmo é o líder comunista, que é um recalcado de origem operária. Isso deveria ter sido evitado, não sei vocês, mas eu poderia ter passado sem essa. Talvez tenha sido imposição dos produtores. Bem, aí eu gostaria de ter sido o produtor. Enfim, alguém tinha que ter impedido essa idiotice.

Gostaria de ter feito o curta-metragem Câmera.

Gostaria de ter feito Flamengo Paixão, deve ter sido uma alegria danada fazer esse filme. Ver e filmar o Nunes fazer o gol no Atlético numa final no Maracanã lotado.

F For Fake, porque é um filme foda sobre mentira e sobre verdade. F For Fake eu certamente gostaria. Se não tivesse sido feito, alguém teria que fazer. Não sei é se daria pé pra mais alguém conseguir fazer daquele jeito. F For Fake, porque tem um monte de histórias de verdade e de mentira para justificar a criação. E porque eu acho o discurso final bonito demais – ok, talvez todo mundo já tenha pensado em filmar pieguices.

***

Inveja e empatia... Inveja era e é um sentimento com uma conotação muito negativa, é um sentimento com uma tendência mórbida bem forte – mas o filólogo já defendia tempos atrás que a inveja pode levar à superação. Empatia, por seu lado, sempre teve conotação positiva – é o que se pede dos personagens de uma narrativa clássica. Mas empatia, por outro lado, também pode ter sua tendência negativa – a curiosidade pela vivência alheia pode levar a um alheamento da própria vida. Enfim...

Enfim, os filmes que vimos e quisemos fazer são super-importantes – levamos eles conosco. Mas o que importa agora não é o que queríamos fazer, é o que queremos.

Texto publicado em setembro de 2003