20/07/2008

Campanha - Eleições para Cineasta do Brasil!

dedicado a Bruno Barreto e Arnaldo Jabor


Quem acompanhou os cadernos culturais dos nossos jornais durante o mês de fevereiro pôde observar uma inusitada discussão: durante os festejos carnavalescos, em notinhas em jornais e entrevista a uma revista, publicou-se um comentário irônico de Bruno Barreto (em plena fase de divulgação de seu novo filme) afirmando que "no Brasil tem muito diretor de cinema" e que "a metade deveria fazer outra coisa, como dirigir táxi, trabalhar como dentista, virar comerciante".

Quanta maldade!... É claro que muita malícia pode ser acrescentada aos comentários do diretor de O Que É Isso, Companheiro?. Por exemplo, a de que só na família Barreto já teríamos dois candidatos ao volante dos táxis. Ou a de que isso é um comentário que denigre quem trabalha no ramo - os taxistas, os dentistas e os comerciantes, claro. Poderíamos continuar a ironia fazendo a pergunta: "você, espectador, entraria num táxi dirigido por Fulano de Tal?"; ou "você confiaria no realizador do filme X para ser seu dentista?"

Ou ainda: "você faria compras na mercearia do Bruno Barreto?".

Poderíamos inclusive imaginar que os comentários derivam da grande concorrência que ele encontrou ao tentar emplacar sua carreira nos EUA, como já sugeriram alguns cineastas mais maldosos nas matérias dos cadernos culturais. Poderíamos supor que o talentoso marido de Amy Irving pode estar preocupado com a concorrência que seus pais vêm enfrentando (talvez devido a um excesso de cineastas que nosso mercado não comporta) para obter patrocínio das estatais através de leis de incentivo fiscal para fazerem mais filmes para o grande público e que certamente serão muito lucrativos. Sendo muito lucrativos como sempre pretendem ser, os filmes de Barreto poderiam atrair investidores sem incentivos fiscais (ou mesmo serem financiados pelos sucessos anteriores), mas isso certamente criaria uma grande bagunça no mercado, até por depender demais de bilheteria - não vale a pena...

Talvez, pensariam os mais cruéis, seja por tudo isso que o primogênito dos Barreto incomodou-se com a enormidade de coleguinhas que tem aqui no Brasil - seria mais simples se todos se conhecessem pelo nome.

Mas isso tudo é pura maldade. Só injustiça, claro. Os Barreto e os outros cineastas brasileiros merecem todo o nosso respeito, assim como os dentistas, os taxistas e os comerciantes. Talvez os comerciantes tivessem problemas se cuidassem de suas vendas da maneira que os cineastas vêm distribuindo seus filmes, mas isso é só um detalhe.

Na verdade, não é só um detalhe. Como já foi dito inúmeras vezes aqui na Contracampo, o investimento em cinema só se justifica se os filmes forem vistos. Os filmes só existem quando são vistos. Há muita justificativa e razão em defender filmes que são feitos sem apoios estatais e não conseguem ser vistos, já que o super-mercado tem donos e não abre espaço para qualquer produto. Mas já há dez anos que os filmes são feitos com apoio através de leis de incentivo e dinheiro de empresas estatais - e estes filmes continuam não sendo vistos nem em salas de cinema, nem em redes de televisão, privadas ou estatais. Como não vêem os filmes, o público e os cadernos culturais continuam mantendo seus velhos preconceitos.

Parecendo convicto de que não vale a pena investir dinheiro nos filmes para recuperar na bilheteria e brigar com os donos do mercado, o clã dos Barreto (e não só ele) deixa bem clara a estratégia: se não pode vencê-los, una-se a eles. Portanto, é unindo-se aos distribuidores norte-americanos e sendo reconhecido a partir dos valores deles que o produto nacional de boa procedência poderá vingar. Isto inclui, como já é bem sabido, uma já tradicional luta para conquistar o prêmio mais famoso da indústria, o Oscar.

Se observarmos a situação sob este aspecto, é preciso que se diga: Barreto está inteiramente certo.

Não há razão para polêmica. Se o estado dá dinheiro para filmes caros (que são "feitos para o público", mas nunca se sustentam com a bilheteria e sempre precisam do dinheiro do BNDES de da Petrobras) que terão um "padrão internacional", de fato é preciso que haja grande especialização, ao invés de concorrência predatória na classe. Se o caminho não é o de produzir e exibir o máximo de filmes e idéias com o mínimo de verba, há cineastas demais no Brasil.

Uma vez que concordamos com Barreto, sugere-se aqui neste artigo, então, que seja aprofundada a democracia no cinema brasileiro. Queremos eleições para Cineasta do Brasil!

Afinal, muito mais eficiente do que produzir vinte filmes por ano, com custo médio de três milhões, será produzir um único filme anual, feito com a melhor equipe técnica e com um orçamento condizente com a necessidade de competir no Oscar com as melhores produções - algo em torno de sessenta milhões, que tal? E sem precisar de contrapartida, seja cultural ou financeira...

Dessa forma, inclusive, pouparíamos as empresas estatais de contratar jurados para a chatíssima, lenta e cara função de avaliar centenas de projetos para, no final das contas, premiar invariavelmente os nomes já bem conhecidos dos realizadores realmente competentes.

Seria algo interessantíssimo - junto com a eleição para Presidente, teríamos a eleição para Cineasta. É um caso, inclusive, em que a propaganda eleitoral exibida na televisão não seria enganosa - ao contrário, já seria uma amostra, um verdadeiro portfólio. Podemos, inclusive, torcer para que craques já especializados na função, como Duda Mendonça ou Nizan Guanaes, arrisquem-se na carreira - com tantos novos talentos vindos da publicidade fazendo cinema, não há razão para preconceitos.

Alguns partidos poderiam ser criados especificamente para a função, caso seja muito complicado adaptar nossos cineastas ao quadro partidário atual - ou correríamos o risco de todos os cineastas preferirem se identificar com o partido do governo e seus aliados. Na verdade, no congresso já é assim, mas, bem...

Realmente é divertido imaginar como alguns de nossos expoentes poderiam se adaptar à nova situação. Por exemplo, Luiz Carlos Barreto poderia se tornar um cacique do PMDB - não precisaria mudar muito. Cláudio Assis e outros cineastas mais engajados poderiam se aliar ao P-SOL e lançar o slogan: "quem bate cartão não vê filme de patrão". O cavalheiresco Walter Salles poderia fazer campanha, em parceria com Eduardo Suplicy, em favor de filmes solidários e da aprovação do programa de renda mínima (bem, na verdade é bastante estranho imaginar Walter Salles se submetendo a uma campanha para ser eleito no Brasil, mas talvez a aprovação do programa de renda mínima seja uma boa razão). Carlão Reichenbach poderia enfim ser obrigado a fundar o Partido Anarquista. Ivan Cardoso e Mojica fundariam o Partido do Terror, sem sucesso nas eleições mas com grande popularidade entre os jovens. Guel Arraes poderia repetir a "Caravana" do Lula, só que dessa vez transmitida para todo o país e apresentada pela Regina Casé ou pelo Selton Mello. O programa de apresentação do Luiz Fernando Carvalho certamente seria o mais longo - ou, pelo menos, pareceria sempre ser o mais longo. E Eduardo Coutinho não teria a menor chance, mas certamente realizaria um excelente documentário sobre os eleitores e suas expectativas, possivelmente feito apenas com entrevistas de freqüentadores de uma velha sala de cinema.

E então, quem sabe, Bruno Barreto poderá vir a ser o cineasta eleito pelo povo, mais cedo ou mais tarde. Seu pai decerto costurará a coalizão mais ampla em todo o país, e sua mãe organizará exemplarmente sua campanha. Ele poderá produzir enfim um lindo filme, um drama histórico chamado A Abolição da Escravatura, cuja trama cental é uma história de amor vivida por Antônio Fagundes e Taís Araújo, tendo como pano de fundo a corte de Pedro II e da Princesa Isabel. Ou então uma emocionante biografia de Roberto Carlos, com Rodrigo Santoro interpretando o cantor e reproduzindo com perfeição seus gestos e manias. Ou até, quem sabe, uma ficção científica, com efeitos especiais caros, sobre o dia em que os brasileiros conquistam o espaço sideral, colonizando planetas como Saturno e Plutão.

É pule de dez, a menos que Fernando Meirelles consiga unir sua competência ao apoio gringo - através de estímulos a ONGs em regiões carentes e graças ao acordo da ALCA.

Mas esse sonho poderia se tornar apenas o início de um pesadelo para Barreto. Assim como nosso presidente Lula, BB logo poderia perceber que governar significa lidar com pressões e aceitar acordos, possivelmente mais do que ele está acostumado a fazer nos sets de filmagem.

Afinal, como lidaria Bruno Barreto com o fotógrafo de seu filme, que provavelmente será indicado pelos Sarney, um sobrinho-neto do patriarca José, com um bigode idêntico ao do tio-avô? Ou BB tentaria antes fazer um acordo no Mercosul para voltar a trabalhar com o argentino Félix Monti?

E como reagirá o cineasta eleito se Antonio Carlos Magalhães resolver indicar uma jovem atriz baiana para ser a estrela do filme? Ou se ACM e Jorge Bornhausen iniciarem uma briga para decidir se as cenas de praia serão feitas na Bahia ou Santa Catarina? E se o PSDB paulista insistir em indicar o galã? Ou, pior ainda, e se Aécio Neves insistir em ser ele mesmo o galã?

Decididamente, não é fácil fazer um filme no Brasil, quanto mais fazer política. Só nos resta desejar ao cineasta eleito que tenha boa sorte. Afinal, dele depende o futuro do país.

Mas... é preciso ter muito cuidado na hora de aprovar o orçamento do filme no congresso nacional. O período de finalização é especialmente delicado. E se a coalizão de Barreto começar a se desfazer ainda durante as filmagens? E o que acontecerá se o presidente da Câmara dos deputados decidir indicar um sobrinho seu para ser o montador?

Texto publicado em março de 2005