17/07/2008

Cine Mambembe - o cinema descobre o Brasil (2000)

Eu vi "Cine Mambembe - o cinema descobre o Brasil" há muito tempo, foi na primeira exibição dele aqui no Rio, no Espaço Unibanco, onde teve recepção calorosíssima, com a presença dos diretores, Luís Bolognesi e Laís Bodanzki .

E desde então eu queria falar do filme, pelo que ele representa e também pelo que ele mostra, e isso são duas coisas diferentes. O que ele representa é muito bonito, dois jovens resolvem mostrar o cinema nacional, no caso somente curtas, nas praças e periferias. Começam a se entusiasmar pelo projeto, e decidem levar os curtas para cidades do interior do nordeste, tornando aquilo que seria uma simples viagem em dupla numa jornada de aprendizado, tanto para eles quanto para os que encontram. Usam os próprios recursos, pois, como já se sabe, amor pelo cinema, nessa terra, não tem moleza. Quer dizer, até pode ter, quem sabe um alojamento, quem sabe um pouco de comida.

Este é o projeto dos dois, é muito bonito, é o que o filme representa, dois jovens entrando no interior do país e levando o cinema brasileiro na bagagem.

Dessa forma, os curtas são mostrados no interior do país. E Bolognesi e Bodanzki gravam digitalmente os depoimentos dos espectadores dos filmes, pessoas que graças a eles puderam ver aqueles filmes. Mas isso não é nada. O que se deve dizer é que graças à dupla nós podemos ver essa gente, essa é a grande descoberta. Quarenta e tantos anos depois, voltamos à necessidade inicial do cinema novo, é preciso ainda descobrir o Brasil.

Há muita gente querendo se ver, se mostrar e se descobrir. A riqueza dos depoimentos seduz os realizadores e a nós, e é isso que o filme mostra, seus discursos surpreendentes nos envolvendo, negando por si só o propalado desinteresse geral por um cinema brasileiro.

A recepção do cinema estrangeiro se baseia às vezes em exotismos, quase sempre em mitificações (o tira nova-iorquino, a velha senhora da pequena cidade do Sul...). A partir daí, dessa criação dos mitos e de um ‘star system’ (um Olimpo inatingível), pode surgir a identificação, a empatia. O cinema nacional, em qualquer país, depende da identificação direta, do reconhecimento da veracidade de seus personagens. E esse é o trunfo de "Cine Mambembe...", seus depoentes são realmente carismáticos e envolventes, do contrário sua realidade nos chatearia, por mais rica que fosse.

Diz-se que o cinema brasileiro precisa examinar sua relação com o público. Pois isso é o que faz "Cine Mambembe...", e põe por terra uma série de mistificações. É pena que não se tenha documentado as exibições nas periferias das grandes cidades, mas as declarações dos realizadores confirmam o óbvio, lá é muito ruim a imagem que se tem do cinema brasileiro. Mas no interior a conversa é outra, até pelo triste motivo do cinema brasileiro não chegar lá. Para um povo que não usa carro, não sabe o que é trânsito, nem o que são perseguições ou apartamentos, os códigos do cinema americano, sempre dublado pelas mesmas vozes, já saturaram, e só mantém a audiência por falta de alternativa. A única coisa que domina e une ainda é a novela global, e com ela ainda não dá para competir, isso nossos amigos logo aprendem.

Aprendem mais uma porção de coisas, em depoimentos antológicos, quando essas pessoas se mostram aos documentaristas através de discursos sinceros, que surpreendem a eles e a nós, seja no interior baiano ou em um acampamento do MST, ou mesmo de um dono de locadora que praticamente só tem filmes americanos, mas diz que o que mais lhe deu dinheiro foi Mazzaropi e Os Trapalhões.

Isso fala do público do cinema brasileiro, um público que quer se ver, e que não está sendo atendido. Não é justo considerar que todo o povo brasileiro é como os depoentes, e está ávido para ter acesso a filmes brasileiros. Igualmente injusto, no entanto, será desconsiderar o que significam esses depoimentos. Não gosto da idéia de aceitar que filmes brasileiros devem considerar como público alvo apenas os habitantes de metrópoles, e tentar criar uma indústria de filmes artesanais, as 'jóias raras'. Isso é elitismo, e eu acho que "Cine mambembe..." evidencia isso. O filme mostra que a dita preferência do público pelo cinema estrangeiro é bastante discutível, precisando se levar em conta classe social, região do país, acesso aos filmes e também os filmes específicos de cada período para uma análise realmente séria.

Mostra, acima de tudo, gente que quer aprender. Nós temos muito para aprender com eles.



Texto publicado em março de 2000