13/07/2008

Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver (1966)



Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, como se sabe, é uma continuação de À Meia-noite Levarei Sua Alma e se inicia no momento em que terminava o filme anterior – descobrimos então que Zé do Caixão sobreviveu sem seqüelas à noite de delírios que havia passado. Ainda e sempre obcecado com a idéia de ter a continuidade do seu sangue garantida por um herdeiro parido pela sua sonhada “mulher ideal”, ele volta a aprontar das suas na cidadezinha em que mora. E Zé do Caixão é mau feito um pica-pau.

Percebe-se de imediato a elaboração maior da história que se conta, na comparação com o filme anterior, até porque o personagem já era conhecido do público e agora estava sendo melhor trabalhado – tem-se aqui um enredo mais complicado, até um pouco mirabolante, com tramas e reviravoltas diversas (ao contrário do enredo do primeiro filme, cuja simplicidade extrema tornava o resultado ainda mais impressionante). Da mesma forma, o personagem ganha maior desenvolvimento – se antes era apenas um sujeito super-forte, amoral e violento, caracterizado pelo desprezo que nutre pelos seus pares e pelos costumes sociais, aqui se delineia mais claramente sua obsessão pelo filho perfeito e pela mulher ideal, assim como o sadismo da sua personalidade. Se em À Meia-noite... Josefel Zanatas chocava ao comer carne em dia santo, agora ele é capaz de soltar aranhas e cobras em cima de garotas indefesas e medrosas. Se da outra vez parecia agir impulsivamente, agora parece planejar cada passo – como personagem de filme de terror, Zé do Caixão se sofistica bastante. Não está mais constantemente preocupado em dar demonstrações de desprezo pelas crendices alheias, como ocorria no caso citado da carne em dia santo – seu único interesse agora é o herdeiro perfeito.

Este é o charme de Esta Noite.... Tendo obtido sucesso com o filme de apresentação do personagem, Mojica arriscou um pouco mais de recursos para fazer um filme que difere do outro na variedade de situações e climas que cria, sendo muito mais narrativo e menos discursivo.

Violento, arrogante, debochado, pedante, cruel, calculista, Zé do Caixão foi bem definido por um outro cineasta – é um retrato brasileiro, uma figura recalcada e boçal. É uma exorcização de demônios internos, como cabe a bons personagens de terror, é um personagem que, impaciente com as falhas alheias, volta e meia parece dizer tudo aquilo que precisa ser dito – para logo em seguida se mostrar um boçal que se crê onipotente. Mojica criou um personagem fabuloso para filmes de terror: um cara malvado que se veste de um jeito esquisito! E os diálogos, bem, os diálogos... Se a composição do personagem indica o parentesco com uma interpretação circense, algo espetacular, e as atmosferas mostram a filiação à narrativa do cinema de horror, são os diálogos, divertidamente bizarros, que trazem o tom de exagero debochado que faz a delícia do filme. Exagero debochado que entra no filme até por meios grosseiros: como se sabe, a censura da época exigiu que os últimos instantes do filme fossem mudados, acrescentando um arrependimento tardio ao final de Zé. Pois bem, esta grosseira oficial, que foi realizada apenas na parte de som do filme, é tão grotesca que parece paródica. Como em outros casos de censura, o feitiço volta contra o feiticeiro, e o arrependimento de Zé do Caixão parece debochar ainda mais da crendice religiosa.

A cópia que está sendo distribuída em DVD e vídeo pela Cinemagia, se não tem imagem e som perfeitos (por origem e conservação das matrizes), mantém muito bem a dignidade do filme. Que não se espere muito, no entanto, da trilha de comentários – é melhor se poupar das histórias intermináveis que são contadas sobre Nádia Tell e das críticas até deselegantes (mesmo que justas) ao seu trabalho. O filme sobrevive a isso, fácil fácil.

Texto publicado em dezembro de 2002