02/07/2008

Amélia (2000)


O que há de tão misterioso e cativante em Amélia? O que será que encanta e parece nos emudecer diante deste filme? Quando se ouve falar de Amélia, logo aparecem comentários sobre a beleza do filme, do seu humor, suas personagens e confusões. Mas parece difícil interpretar, dar significado. Quando tentamos entender o encanto, parecemos nos emudecer de alguma forma. Há uma ambiguidade na abordagem do tema, uma incerteza gerada pela própria observação cotidiana.

Ou não? O tema do filme gira em torno da relação de dois mundos exóticos entre si, quase incapazes de se comunicar. As rudes senhoras do campo poderiam ser uma representação por demais simplória dos tupiniquins, e madame Sarah Bernhardt também decerto não representa plenamente o significado da cultura estrangeira em nosso país.

No entanto, é representando de forma tão clara o fascínio pelas musas de outras terras, o deslumbre de nossa alta sociedade por divas da civilização, é desta forma que fica mais clara a opção pela nossa rudeza, pela nossa ingenuidade burra, mesquinha e covarde. O encantamento por madame Sarah, magnificamente interpretada por Béatrice Agenin, é óbvio, é inevitável. É o encantamento das velhas que nos surpreende, com uma capacidade de sinceridade sentimental, para o bem e para o mal, e também com uma covardia imensa diante do que não é do seu mundo. São as velhas que serão antropofagizadas. O que acontece é que a gente parece tentar prejudicar tudo ao máximo até chegar a hora em que não dá pra escapar de se ferrar. A pobre madame Sarah jamais será a mesma, não se escapa impune daqui. Mas, no fim, leva consigo os espólios, e não perde a chance de expor ao ridículo as imagens que guarda daqui.

Talvez o que nos surpreenda em Amélia é sua capacidade de se expressar criticamente, e tão acidamente, numa forma tão cômica, risível, alguns diriam até leve. Não deveria ser surpresa, uma vez que algumas das obras mais críticas são comédias. Talvez também o que surpreenda seja ver um filme sendo feito tão dentro dos conformes do atual formato de produção no Brasil e dar tão certo. Amélia é filme de época, custou caro, tem atrizes famosas (além da francesa, Mirian Muniz e Camila Amado são sensacionais, e ainda há uma participação de Marília Pêra), em suma, é um filme da era da Lei do Audiovisual. E não é um filme covarde. Ao contrário.

Há muitos problemas no modo de produção, e a receptividade do público a Amélia mostra que o filme tinha um potencial de exibição muito maior do que o aproveitado. São agruras da nossa época, ossos do ofício, para usar a expressão. Mas Amélia é mais um sinal de que há um caminho, um vão aberto. A posteridade talvez não sirva de nada. Mas Amélia merece. É um grande filme.



Crítica publicada pela primeira vez em novembro de 2000