28/03/2010

Para difundir as cucas

Quais são os caminhos e perspectivas para a difusão de filmes entre a população?

Embora a população brasileira tenha crescido bastante, hoje em dia há muito menos gente com o hábito de freqüentar salas de cinema do que havia antes dos anos 1980. Desde então, o número de entradas vendidas caiu para quase um terço do que ocorria nos melhores anos da década de 1970, apesar de a população brasileira ter quase dobrado. Os motivos disso são bem sabidos: isso se deveu ao fechamento de muitas salas e ao encarecimento do valor do ingresso, justificados pela concorrência dos novos meios de difusão de filmes - sucessivamente, surgiram as sessões na TV, o vídeo-cassete, o DVD, os canais a cabo, o download de filmes na web e a pirataria nas ruas.

Atualmente, por conta disso, um certo ritual próprio do ato de ver filmes no cinema parece correr riscos. Há décadas a projeção de filmes em película de 35mm é considerada o padrão de excelência da exibição de uma obra cinematográfica, a maneira mais adequada para se assistir a um filme. É um formato que não sofreu muitas alterações desde que surgiu, exceto pelos avanços nas estrutura de som das salas (até chegar ao atual sistema de som estéreo em seis canais). Este é o padrão de excelência a ser cumprido à risca – que há décadas se mantém como o formato com mais alto nível de qualidade, apesar da concorrência dos outros meios e apesar do risco de problemas com cópias velhas, com equipamentos de som inadequado, com falta de luminosidade ou de foco do equipamento de projeção.

No entanto, nos últimos anos, a exibição de filmes em equipamento digital tem tomado o lugar da projeção em 35mm em diversas salas de cinema. Na verdade, há diferentes suportes tecnológicos que são aglomerados com esse nome de vídeo digital, desde o DVD, passando pelo Beta Digital, Blu-Ray, pelo HDV e outros – e essa tecnologia pode atuar em vários formatos de difusão, não apenas no mercado de salas comerciais. A possibilidade de exibir filmes dessa forma foi, em grande parte, um dos principais estímulos para o ressurgimento de cineclubes em lugares diversos. Da mesma maneira, é graças a essas inovações tecnológicas que hoje é possível haver troca e compartilhamento de filmes através da internet. Ou seja, a tecnologia digital não é uma ameaça à difusão de filmes – ao contrário, é um estímulo por abrir novas oportunidades. E mesmo em salas comerciais já é possível obter projeções digitais de alta qualidade.

Mas vou insistir no aviso ao amigo leitor: os filmes podem assim se disseminar, mas as sessões de cinema no padrão de qualidade com que estamos acostumados correm riscos - podem se tornar cada vez mais caras e raras. Isto chega a parecer um caminho suicida para o mercado de salas, uma vez que, diante da má qualidade que tem sido constante nas projeções digitais de filmes, muitos cinéfilos podem optar pelo caminho de baixar os filmes na internet, que frequentemente mostram mais respeito aos formatos originais de imagem e som.

Diante disso, atualmente o cenário é bastante preocupante com relação à forma com que os filmes serão vistos – manter boas condições de exibição em salas de cinema passou a ser uma questão urgente de direitos dos consumidores, como se pôde ver num abaixo-assinado redigido pelo jornalista Pedro Butcher, assinado pelo Fórum da Crítica. No entanto, ao mesmo tempo em que se mostra ameaçador para a exibição de filmes no formato consagrado, o cenário é promissor para a difusão de filmes. Nesta equação, a perda do espaço ideal de exibição parece ter como outro lado da moeda a possibilidade de difusão ampla de filmes.

Esta difusão pode se dar de várias maneiras, a começar pela própria televisão - basta que, dentro das dezenas de canais disponíveis nas TVs aberta e a cabo (em que várias delas são estatais ou se pretendem culturais), algum espaço seja destinado à exibição de filmes que não estão acessíveis à imensa população que só tem o aparelho de TV à sua disposição. Isso pode tornar mais visível a cinematografia nacional, assim como também pode trazer o cinema de outros países para os espectadores que não têm salas de cinema em seus bairros ou cidades. É bem conhecida a presença da TV aberta nas cidades brasileiras, e também é mais do que sabido que esse potencial é bastante desperdiçado no Brasil. Um projeto verdadeiro de TV pública ou cultural só existe quando traz aos espectadores as boas coisas que não estão disponíveis em outros canais, e os filmes mais instigantes (sobretudo os brasileiros, mas não só eles) se incluem neste pacote.

Além dos canais de TV, a própria projeção em tecnologia digital pode proporcionar a difusão de filmes através do esquema de cineclubes e demais espaços culturais espalhados pelas cidades. É isso que permite que filmes sejam vistos (e eventualmente discutidos) a partir das próprias iniciativas locais e comunitárias. Hoje, com um projetor e um equipamento de som de boa qualidade, dentro de uma sala razoável, já é possível montar um cineclube - que, mesmo que eventualmente possa sofrer com questões de luminosidade ou ruídos externos, também pode provocar encontros e descobertas que vão criando esse universo da afetividade pelo cinema.

E, por sua vez, o esquema de download de filmes pela internet cada vez mais é capaz de disseminar os filmes em larga escala. É esta tecnologia que, ao permitir o compartilhamento de arquivos on-line, torna possível que filmes do mundo inteiro estejam acessíveis hoje através de qualquer computador com boa conexão à internet – uma situação que há anos desperta a preocupação do mercado de produção e distribuição de filmes. A cinefilia faz com que os filmes se disseminem através da web, de uma forma que ainda provoca questionamentos de alguns atores do processo, inclusive os canais oficiais e jurídicos. No entanto, afora toda a questão delicada da pirataria, há uma perspectiva realmente admirável para a difusão de filmes no esquema de download - uma perspectiva que precisa ser incluída em qualquer plano de difusão cultural feito a sério. Afinal de contas, sabemos que é possível fazer o download de uma série de livros clássicos até mesmo em sites institucionais, como o conhecido www.dominiopublico.gov.br/. Pois então, quanto tempo será necessário até que tenhamos os acervos de filmes das cinematecas do Brasil disponíveis para download gratuito?


Artigo publicado na edição nº 7 da revista Reserva Cultural, lançada em fevereiro de 2010.