
"Coração Iluminado" me pareceu um filme que se torna maior que seu criador, que tem dentro de si muito mais do que quem o criou esperava dizer, de início. Uma pessoa que fala de si acaba por dizer muito mais coisas que gostaria ou imaginava, ao falar de si fala de todos, e é isso que acontece no filme. Como já disse um amigo querido, o filme parece sair das tripas do Babenco. Mais do que isso, o filme parece ter adquirido corpo próprio, olhos, cheiros, coração, o filme parece pulsar vida. De quantas obras se pode dizer o mesmo?
A partir da primeira parte, clássica, melancólica, limpa, romantizada, linda, vemos o ritual de passagem à idade adulta de um jovem, através de seus contatos com grupos e idéias e com seu primeiro amor. Em todos os filmes do mundo isso teria se bastado, mas não na vida real, e o passado nos marca, nós o carregamos conosco, ele nos conduz. E por isso uma segunda parte, tosca, violenta, amargurada, uma vida marcada por fantasmas passados, dos quais fugiu e que agora volta a encarar, um primeiro amor marcante e traumático.
Isso, na minha modesta opinião, é parte da vida, dos sentimentos humanos, essa busca do perdido, do não-conquistado. Esse é o cinema dos sentimentos, e por conseqüência das tripas. Não por acaso, surgem as histórias sobre os problemas do realizador durante as filmagens, a somatização de todas essas questões, num filme que se amplia e passa a encarar seu realizador e, por tabela, a nós, espectadores.

O final é evidente e ainda assim instigante. Para ele, as duas personagens femininas são uma só, e ele precisa se livrar dela. Babenco usa então a magia do cinema, o fantástico, para evidenciar relações palpáveis da narrativa. Eu não tenho dúvida, aquela mulher realmente brilha para ele, dentro daquela história é assim que as coisas são.

Texto publicado em março de 2000