25/07/2008

O Lado Escuro do Coração 2 (2001)

O tema é o amor. “A-M-O-R, amor”, como diz a letra de um samba. Como milhares de filmes, como zilhões de histórias. Só que esse aqui é escrachado – até tem enredo, mas a verdade é que não tem história, a história é o amor.

É uma continuação. Revisitamos o personagem Oliverio, poeta de meia-tigela, conquistador barato e romântico mal-resolvido – agora com menos cabelos a lhe proteger, mas ainda com o mesmo sonho sugerido na primeira seqüência do filme (assim como o era no primeiro): encontrar uma mulher que voe e cujo amor o faça voar. Para descobrir se elas têm esta capacidade ou não, o melhor é observar depois da transa – e fazer como a mãe dos pássaros, que lhes atira ao abismo para que voem. Se as mulheres não voam, paciência – se não o fazem, ele então teria que se livrar delas, de toda maneira.

O interesse criativo parece passar por toda espécie de despudor para recontar a mesma velha história de um desejo, que toda as canções têm para contar – a vital escolha por Eros em oposição a Thanatos, em oposição à morte. Entenda-se por despudor toda tática apelativa, exagerada, repetitiva, errada, redundante. Enfim, amorosa. A poesia de amor – nada mais clichê, nada mais banal. Para fugir do banal, tenta-se libertar a poesia – e não há nada mais banal que não querer ser banal falando de amor poeticamente.

Então não é preciso ter medo do que pode parecer banal, apelativo, exagerado e tudo mais: vamos ao exagero de boleros, aos encantos pictóricos, às frases feitas, ao flash-back dos momentos de amor. E com humor! Diz-se que não basta recitar poesia em um filme para fazer poesia em filme. Pois que se recite dezenas – com música ao fundo, tiradas engraçadinhas, imagens e representações óbvias e até clichês – o Tempo é um personagem que corre sem parar na sua motocicleta, carregando os protagonistas na carona, a Morte se divide em um homem e uma mulher vestidos de preto, Oliverio também vê sua consciência se dividir em dois pólos; isso sem contar a repetição da piada da cama que se abre para o abismo. Pudor pra quê?

A continuação relê o tema e reencontra o personagem –mas há algumas diferenças cruciais, inevitáveis diante dos anos que se passaram para criador e criatura do filme: Oliverio está mais só no mundo, ainda que tenha a mesma facilidade em criar amizades, está desgarrado em Barcelona, mas ao mesmo tempo está mais tranqüilo, tanto que alcança seu intento no final. Se a busca parecia por alguns segundos terminar no primeiro filme – apenas para que Oliverio descobrisse que ele também precisava fazer as mulheres voarem –, nesse a aproximação da morte o obriga a escolher a alternativa da vida. Ele também pode fazer a mulher voar, e a morte fica distante quando se tem um futuro amor para cuidar. Clichê, banal, apelativo – e tremendamente esperançoso e carinhoso. É a bela conta da maturidade que chega.

Como se disse, é uma continuação. Isso torna bastante improvável que venha a ser lançado em cinema ou em vídeo em Terra Brasilis, já que o primeiro filme não o foi (também só passou em festivais). É pena – por aqui os filmes latinos ainda têm apenas o espaço de uma mostra no CCBB, o Cine Sul, e esta mostra que acontece na maratona do Festival do Rio. Mas Subiela já fez coisa suficiente pra receber maior atenção de uma mostra ou festival por estas bandas – o seu Homem Olhando Para o Sudoeste estreou apenas em São Paulo (fez razoável sucesso), O Lado Obscuro do Coração, As Últimas Imagens do Naufrágio e Despabilate Amor passaram em festivais, seus filmes recentes nem isso conseguiram (tiveram mau desempenho na bilheteria, péssimo critério de importação). Subiela ganhou da crítica o ingrato rótulo de “cineasta poético”, seja lá que raio isto queira dizer – se os rótulos empobrecem, paciência: como se pode ver com esse número 2 do seu Lado Escuro do Coração, ele sabe muito bem jogar e brincar com isso.


Texto publicado em outubro de 2002