15/07/2008

Mas que nada - sobre Quase nada (2000)

O ponto mais evidente notado sobre “Quase nada” é a motivação explícita já no seu título, de um cinema simples, barato, despojado. É uma intenção clara do filme, manifestada mais de uma vez pelo diretor e pela produtora em entrevistas na imprensa.

Bem, então temos aí uma mudança de discurso, um giro bastante grande diante das posições tomadas até bem pouco tempo por Sérgio Resende e Mariza Leão. Se até bem recentemente a disposição de diretor e produtora tão prolíficos era de cada vez mais enlaçar a relação entre profissionalismo e grandes orçamentos, agora seu discurso percebe a existência da falta de recursos, da renitente pobreza do país, e portanto da improbabilidade de um sistema de megaproduções, sustentável a longo prazo.

(Se o resultado final dos escândalos das grandes produções inacabadas e da inaceitável agressividade de parte da imprensa for este, o de fazer nossos respeitados profissionais voltarem a um cinema mais simples e barato, ora, há males que vêm para bem, reza o ditado...)

O filme? A economia caracteriza quase tudo. Pode-se apontar um quase nada de escolhas que fogem deste pressuposto, e talvez seja isso que denota certos ruídos do filme, cacoetes de grandes produções, pessoas pobres bem vestidas demais, até mesmo na cadeia.

Mas, no geral, a simpatia que desperta esta simplicidade ajuda o filme a ter uma boa recepção. Seja dos admiradores de Resende, que notam a facilidade que ele demonstra em contar suas histórias, seja por seus detratores, que certamente preferirão ver-se livres de sua grandiloqüência.

De novo, o filme? A primeira história é muito boa, principalmente graças à interpretação de Augusto Pompeo. A terceira é definitivamente problemática. Fica a segunda a meio-termo, tendo boas interpretações, mas uma história que, ao contrário da primeira, não enlaça quem vê.

Os três episódios são sobre paranóia e morte, a cada vez o demônio interno é despertado de uma forma, e não por acaso a primeira história é a que melhor se revela e resolve, uma vez que nela o inimigo é palpável, é um personagem presente. Na segunda o inimigo vem do passado, e só está presente na memória, e o problema é justamente que o espectador não se comove com o medo do que não existe. Na terceira o inimigo é o ciúme e a dificuldade de amar do personagem, e neste caso a perda maior não será a da própria vida, mas do objeto amado. Talvez, entre todos os problemas óbvios do último episódio, o mais grave seja justamente uma qualidade, que é da corajosa opção em ter um protagonista antipático e desagradável.

A despeito de suas diferenças, os episódios têm grande coerência narrativa e estética. Ainda que acadêmicos, são um belo exercício de artesão. Faço votos de que esse novo rumo seja mantido pelos produtores do filme. Parece-me mais produtivo, para eles e para o modelo de produção do cinema brasileiro.


Texto publicado em setembro de 2000