10/07/2008

Conceição - filme é para ver no cinema



Conceição — Autor bom é autor morto teve suas imagens filmadas entre 1997 e meados de 2000, em duas etapas. O motivo do intervalo entre filmagens foi o mesmo da demora na finalização: a falta de recursos, que acabaram chegando através de apoios fundamentais da reitoria da UFF, do CTAv-MinC, da Riofilme. Não foram poucos os momentos divertidos que tivemos durante a sua feitura, mas fazer um longa-metragem não é uma diversão.É um trabalho tremendo que um grupo levou adiante.

Conceição é um filme que não segue certos padrões comuns nos dias de hoje, mas a sua própria trajetória indica que não se trata de um projeto inconseqüente. Eu e os demais realizadores acreditamos que o filme, ao ter como tema a liberdade de criação, deveria também mostrar como essa liberdade deixa evidentes os princípios éticos e estéticos) de quem cria personagens.

Acho normal que essa vontade de liberdade, de ser um filme diferente, especial, faça o Conceição ser do tipo ame-ou-odeie. A gente sempre soube que haveria quem se incomodasse. Mas tomo a liberdade de contar uma historinha:

Nosso filme foi exibido pela primeira vez em Tiradentes em janeiro. Lá havia uma votação do público, com traços tipicamente mineiros — não havia a opção “ruim”, apenas “regular”, “bom” e “ótimo”. Enfim, contabilizada essa votação, relataram-nos que o nosso filme teve muitos votos (cerca de 2/3 do total) para a nota máxima (“ótimo”) e um tanto de votos (cerca de 1/3) para a nota mínima (“regular”). Os votos para o meio-termo eram poucos, quase nenhum. Acho que isso diz muito sobre Conceição.

No festival seguinte, em Porto Alegre, nosso filme, que durante dez anos procurou patrocínio através de todas as comissões possíveis, acabou por ganhar o prêmio de um júri popular. Ou seja, dos espectadores.

Uma coisa é preciso esclarecer: o filme nasceu de um roteiro integral, pretendendo unir várias pontas a partir de uma trama central. Não nasceu da reunião de curtas pensados para emular gêneros de outros tempos. Por isso,sinto-me impelido a defender essa trama entre os “autores” que costura algumas das outras tramas de Conceição. Caso algum leitor não queira conhecer aspectos que ocorrem na metade final do filme, sugiro que pare de ler este texto agora.

Porque o que o Fugitivo cobra dos autores, quando vai até o bar onde eles conversam e nada mais fazem, é que saiam do imobilismo. Acho que um dos motivos do filme agradar a vários espectadores é por seu interesse neste tema, o imobilismo de jovens que têm muitas idéias e não conseguem sair da etapa inicial. Creio que é um tema bastante próximo para a juventude brasileira.

E, quando o mesmo Fugitivo cobra ética de seus criadores, mostrando-lhes as falhas dos personagens que eles criaram, o filme também quer questionar a responsabilidade de quem cria personagens — e, nos últimos tempos, muito se tem discutido sobre um “cinema da sordidez”, que trata personagens com sadismo para incomodar o público. O Fugitivo levanta essa questão de modo bastante claro — porque a intenção do encontro de bar entre “autores” e “personagens” era provocar uma reflexão sobre isso.

Conceição surgiu porque eu e meus colegas fomos formados por uma universidade pública — portanto, porque a sociedade brasileira quer que haja pessoas estudando cinema. No entanto, quem estuda cinema sai do curso sem ter como trabalhar. Por que fazer cinema, então? O que nos motivava e motiva? Qual o cinema que queremos e qual é o cinema que esperam de nós? Quisemos levantar essas questões com humor e originalidade.

Concepção, concessão, com sessão, como cês são ?, Conceição. Agora, o filme já não nos pertence, cada um ache o que quiser. Mas nosso filme não vem sozinho. Ele vem junto de alguns movimentos de uma juventude que não está satisfeita com o esquemão — são mostras, cineclubes, sites de crítica, curtas-metragens... Nossa geração é a do Cachaça Cinema Clube, da Contracampo, do Beco do Rato, do Cine-Buraco, de um punhado de coisas que estão acontecendo em várias cidades do país. Mais coisas virão.

No cartaz, pusemos uma frase do Luís Rocha Melo: “o último filme brasileiro!”. Mas, na verdade, parece que o cinema brasileiro vive a fazer constantes “primeiros filmes” (que estão sempre a reiniciar a História), e o nosso não é exceção — é mais um “primeiro filme”. Falei no início do texto sobre a demora em finalizar Conceição. Mas a identificação que alguns espectadores sentiram por ele faz valer a pena todo o tempo dedicado, e sei que falo não só por mim como por meus amigos diretores e por toda a galera que fez o filme. Outros virão, “segundos filmes”, “terceiros”, “vigésimos”... Agora é esperar para ver. Ou melhor, é ver quem se identifica com o filme. Assim Conceição se espalha. E assim as coisas acontecem.

Texto originalmente publicado na edição de sábado do Segundo Caderno do jornal O Globo, em 11/08/2007