13/07/2008

Apresentação da seção DVD-VHS dedicada a Mojica

Temos então nesta edição da Contracampo a oportunidade de comentar sobre lançamento de filmes de José Mojica Marins numa caixa de seis DVDs (ou fitas de vídeo) que está sendo feito pela empresa Cinemagia. Esta oportunidade é um prazer – os filmes lançados constituem a parte mais vista e comentada da obra de Mojica, desde os dois filmes que apresentaram ao mundo a figura de Zé do Caixão, À Meia-Noite Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver, passando pelo filme de episódios O Estranho Mundo de Zé do Caixão (que curiosamente é seu filme mais conhecido no exterior), pelos irregulares Finis Hominis e Delírios de um Anormal e pela obra-prima O Despertar da Besta, que antes de ser interditado pelas bestas da censura se chamaria Ritual dos Sádicos.

Sem dúvida é com alegria que se deve saudar esta caixa. Vale notar, no entanto, que há diversos problemas técnicos nas cópias telecinadas dos filmes – não há trabalho de restauração das imagens e, em alguns filmes, a qualidade do som está seriamente comprometida. Não por acaso – os filmes de Mojica, produzidos quase todos apenas com dinheiro privado (cada um de produtores diferentes), nunca tiveram tratamento de preservação adequado, quanto mais restauração. Assim será enquanto Mojica não entrar na agenda das grandes empresas do cinema brasileiro. Mesmo assim, se já é incomum termos o lançamento de coleções de artistas brasileiros em DVD, esta caixa estabelece um novo parâmetro para séries futuras. Traz meia dúzia de filmes que definem uma persona cinematográfica rara e, no caso dos DVDs, complementa o material com filmes raros e fabulosos sobre o cineasta (como Horror Palace Hotel ou O Gênio Total, super-8 de Jairo Ferreira filmado com a colaboração de Rogério Sganzerla), material de arquivo e entrevistas com R. F. Luchetti, Jairo Ferreira, Carlos Reichenbach e inúmeros outros – o material de extras prefere o risco do excesso ao do esquecimento.

Muito acima do clichê “cineasta de origem popular”, Mojica interessa não apenas por seu vigor criativo, irônico e transgressor na composição de situações ou por sua simplicidade inteligente como narrador – também interessa como caso raro no Brasil de autor-ator-diretor, que encena priorizando a interpretação e sabe usar do exagero, da ironia e do auto-deboche para trazer à tona conflitos fabulosos acerca de tolerância e preconceitos. É o caso da repulsa às crendices dos primeiros filmes, ou da repulsa às drogas no Despertar..., que, partindo de avaliações corretas (drogas fazem mal, crendices aprisionam a vida), serviam apenas como desculpas para exorcizar outros demônios (a violência de Zé do Caixão, as certezas preconceituosas dos cientistas e entrevistadores). Sendo ator-diretor, Mojica confunde ao extremo o que está dizendo e o que está representando – quase toda ironia é uma representação, e ironias não faltam ao seu discurso. Dessa forma, estabelece uma lógica teatral, até circense, onde todo o seu cinema depende sobretudo da sua atuação e das atmosferas que cria. É este estranho mundo que a Contracampo tem o prazer de (re)visitar nesta edição. Boa leitura.

Texto publicado em dezembro de 2002