13/07/2008

Animalada: Uma Relação Pansexual (2001)

Naquela hora, eu realmente estava precisando assistir um filme como Animalada. Eu tinha acabado de sair da sessão de Desejo insaciável – que achei um excelente filme, mas nem um pouco agradável – e meu estado de espírito não estava dos melhores, decididamente, posso dizer inclusive que não seria muito confortável voltar para casa com o filme de Claire Denis latejando na cabeça – ponto para o filme dela, com certeza, aliás. De todo jeito, um casal de amigos, a Inês e o Dum-dum, me chamou para ver o filme argentino, sobre um homem que se apaixona por uma ovelha, e eu demorei um pouco para decidir, porque naquela hora não estava muito fácil decidir coisa alguma. Com a carona para casa garantida, fui ao filme então. Perfeito. Tive um filme que se diverte em contar uma história que se leva a sério, ganhei alguns risos com piadas infames – uma platéia bem-disposta ajuda muito nessas horas.

Até que tive sorte, porque o filme atrasou bastante, e me deu tempo de decidir. Fiquei sentado entre o Dum-dum e o Guilherme Tristão, e de vez em quando eu e este último fazíamos comentários do gênero “que cara-de-pau!”, “que absurdo...”, enfim, foi uma grande diversão. Um pouco abaixo de nossos pés estava sentado meu colega de Contracampo Duda Valente, que, mesmo tendo à sua disposição uma cadeira com o carimbo de conforto do Espaço Unibanco, preferiu se espraiar pelo chão, (na verdade há um vão no chão, em frente à tela, que eu já havia comentado com a Inês que merecia uma boa almofada, mas o Valente nem quis esperar almofadas, o que, não sei bem por quê, me lembrou da época em que eu ia para a Cinemateca do MAM levando debaixo do braço um travesseiro para resolver o desconforto), e participava ativamente das gargalhadas da platéia. E a platéia estava disposta a gostar do filme, com certeza. Animalada já tivera sua primeira exibição cancelada, devido a pequenos problemas enfrentados na nossa sempre tão prestativa alfândega (ao que parece, espalhou-se pela internet o boato de que as cópias dos filmes árabes, franceses e argentinos continham armas químicas terroristas perigosíssimas), mas, enfim, a cópia do filme chegou para a exibição da madrugada e, após um atraso monumental por falta de tempo hábil para colocar o filme nos carretéis, atraso este que foi a primeira evidência de bom humor do público, tivemos então uma sessão praticamente lotada que se iniciava pouco depois de meia-noite e meia.

Pois então: com menos de cinco minutos de filme a situação já é colocada com bastante clareza, quando o protagonista Alberto se fascina por sua ovelha – e aí boa parte do público já veio abaixo. A partir daí, o que tivemos foi isso, um filme que segue com debochada seriedade todas as convenções da linguagem cinematográfica para contar sua história em tom de tragédia farsesca, com uma platéia à beira da histeria cômica (a chamada ingrisia) valorizando cada instante climático do filme. Como notou Duda logo depois da sessão, o filme leva a sério cada uma das suas situações, consegue dar às situações mais inusitadas um clima entre a falsa seriedade e a cafonice. Temos Alberto perdendo a razão e se tornando um perigoso assassino em nome do seu amor, perdendo todos os demais vínculos familiares, criando um ritual de casamento com sua ovelha amada, riscando corações em árvores e temos até mesmo o suspense se impondo quando surge um carneiro que resolve roubar-lhe sua amada. O protagonista leva muito a sério a sua situação, numa interpretação admirável do ator Carlos Roffé, mas a platéia só se divertia, e muito. Lembrei-me de outros casos de filmes com relações amorosas com animais, me parece que a referência mais óbvia para o filme seria o episódio com Gene Wilder no filme de Woody Allen, Tudo que você sempre quis saber sobre sexo... (a história é semelhante), mas também lembrei do filme de Oshima, Max mon amour, em que o caso de amor entre Charlotte Rampling e um macaco é visto de forma bem mais incômoda.

Não é isso que se pode esperar de Animalada, a transgressão é vista como uma grande tiração de sarro. Como notou o Guilherme Tristão lá pelo meio do filme, parecia um certo tipo de comédia feito no Brasil nos anos setenta (e na Itália, e até nos EUA, como Woody Allen, lembraria eu). Se for isso que se espera dele, o filme satisfaz plenamente seus intentos. Como notou Ruy Gardnier num artigo recentíssimo aqui na Contracampo, num festival o cinéfilo acaba “montando” os filme à sua maneira, escolhendo quais vão suceder uns aos outros. Foi, como já contei, uma decisão inesperada assistir a Animalada depois de ver o filme de Claire Denis, mas posso garantir que foi um belo alívio, uma sessão de uma boa descontração. Enfim, pareceu-me mesmo que é só a isso que se propõe o filme, e comigo funcionou.

Texto publicado pela primeira vez em outubro de 2001