25/07/2008

Carreiras (2005)


Carreiras tem um clima febril, como uma embolada de idéias e momentos de uma personagem. E, desde o início, um eixo político se apresenta bastante claro em Carreiras, a defesa de um cinema de custos baixos e produção simples. Se isso já era evidente nos filmes anteriores de Domingos Oliveira, aqui a questão é explicitada em cartelas – desse modo, o realizador data e contextualiza as circunstâncias de sua produção, e a atmosfera do filme contamina-se por esta questão, dando ao seu enredo um certo sentido de urgência,

urgência que Domingos Oliveira controla e apresenta com sua encenação: esse é, dos seus filmes mais recentes, o mais escancaradamente ficcional na sua parte central, a história da jornalista Ana Laura. Carreiras não abandona o tom de realismo exacerbado dos filmes recentes do realizador, mas de todos é o que torna mais evidentes as características próprias de sua personagem protagonista – a Ana Laura de Priscilla Rozembaum não se confunde com o cotidiano da atriz ou de Domingos, ao contrário do que sugeriam certos momentos de seus outros filmes recentes – e Domingos Oliveira é essencialmente ficcionista, disso não há dúvidas. Dessa maneira, se o filme esclarece desde o princípio seu discurso político subjacente, Carreiras encontra sua força no plano ficcional de construção de uma personagem – não por acaso, é também o filme mais bonito visualmente entre os recentes do realizador –

e essa construção revela aquilo que os discursos podem apoiar mas não podem criar: a personagem encarnada pela atriz. Entre as muitas referências que costumam ser feitas ao cinema de Domingos Oliveira (Woody Allen, Fellini, Truffaut...), uma precisa ser acrescentada e destacada, a do norte-americano John Cassavetes – porque é no seu cinema que podemos encontrar um tom de urgência semelhante, assim como uma criação (feita de ação+improvisação, realismo exacerbado) tão forte de personagens por seus atores,

como atua aqui Priscilla Rosembaum, tal qual uma Gena Rowlands tropical, enfurecida. Sua egóica Ana Laura faz de Carreiras um filme único, admirável. Egoísta, ambiciosa, manipuladora, enraivecida, bêbada e cocainômana, com os cabelos brilhando ao sol da manhã, vai surgindo com força surpreendente a sua persona.

O que o filme tem de exemplar as cartelas iniciais já tornaram bastante claro. Carreiras diz e mostra que a ficção pode ser feita com criatividade e simplicidade, sem grandes custos, e que isso deve ser estimulado:

portanto, pelo que tem de exemplar, é projeto a ser seguido. Domingos já disse que está “quinhentos anos atrasado”. Tão atrasado quanto ele está o cinema, como se ironiza na comparação feita entre este e o teatro, no irônico diálogo coletivo inicial em mesa de bar. Mais atrasado do que Domingos e do que o cinema de modo geral, não há dúvidas, está o sistema brasileiro atual de produções caras que Carreiras critica.

Mas, por ser feito com criatividade, como já se disse, apresentar suas circunstâncias e datar-se não reduz o que o filme tem de único, ao contrário. Este sentimento de urgência que contagia a narrativa se alia à força da sua personagem - daí, mais do que imprescindível, Carreiras se torna cativante.

Texto publicado em setembro de 2005