15/07/2008

Entrevista com Paulo José - para o documentário O Mundo de Um Filme


A gente gostaria que você falasse do seu começo no teatro, como você conheceu Joaquim Pedro...

O Padre e a Moça foi o meu primeiro filme, e foi uma grande estréia, extraordinária... e começou por acaso, porque quem ia fazer o padre era o ator Luiz Jasmin, que era artista plástico. E o Joaquim gostava do tipo físico do Luiz Jasmin para fazer o padre. E foram para São Gonçalo do Rio das Pedras. Eu era do Arena, de São Paulo, na época, e convidaram o Fauzi Arap para fazer o filme. Era Helena Ignez, Luiz Jasmin e Fauzi Arap, e eu morri de inveja do Arap porque ele ia fazer cinema, do nosso grupo do Arena era quem estava saindo para fazer cinema. Fiquei com muita inveja dele. Uma inveja salutar, contente dele estar indo, mas pensando que adoraria ir também. E não sei se meu santo foi forte, ou se o do Luiz Jasmin foi fraco, mas às vésperas de começar a filmagem, praticamente na véspera, ele pegou hepatite. E aí significa dois meses de imobilidade. Aí o Joaquim, em São Gonçalo, chamou a Sará aqui no Rio e lembrou daquele ator, aquele do Teatro de Arena... E me chamaram. Quando eu cheguei, eu já tive que me adaptar ao que era imaginado para o Luiz Jasmin. O Joaquim me recepcionou já me olhando, para ver se funcionava. Essa avaliação severa me deixou completamente inibido para fazer o papel, ele olhava, virava, olhava minhas costas, olhava a orelha... aí pediu para o Escorel me vestir a batina, eu fui vestir a batina e o Luiz Jasmim era bem mais alto que eu, então a manga ficou aqui, a batina arrastando... Então o Joaquim olhou aquela figura e disse: "A batina ficou muito grande", como se dissesse "não serve, tem que ser um ator maior"... Aí o Escorel deu a solução: "A gente encolhe a batina". E o Joaquim: "Pode ser, é possível"... E assim comecei eu no O Padre e a Moça, que foi a minha primeira experiência em cinema e a primeira experiência de várias pessoas também, de certa maneira. Gente ligada a cinema, mas começando, como o Escorel, Carlos Alberto Prates, Geraldo Veloso, o Fernando Duarte era assistente de fotografia de Mário Carneiro, depois virou diretor de fotografia também. Então era um encontro de gente alucinada por cinema, isolados num local maravilhoso, porque São Gonçalo do Rio das Pedras é uma cidade morta, do ciclo do diamante, foi muito próspera no século passado. Tinha duas grandes igrejas matrizes e o rio Jequitinhonha cortava a cidade no meio. E a cidade foi ficando decadente, foi ficando vazia. Só tinha velhos, velhas com bócio, papudas, aquele problema de falta de vitamina A e D, e não tinha ninguém jovem. A cidade tinha delegacia, farmácia, prefeitura, correios e telégrafos, tudo fechado, mas ainda com as coisas dentro, na farmácia tinha prateleiras com remédios. E a cidade fechada há uns vinte anos. A ponte do rio Jequitinhonha tinha caído, que ligava as duas matrizes então a produção fez uma ponte, ela fez uma ponte para a cidade, o que foi uma alegria para as pessoas que estavam na cidade e para as pessoas que souberam das notícia que voltaram a fazer na semana santa a procissão do encontro, que tinha acabado. Sai a procissão de Nossa Senhora Das Dores de uma matriz, da Senhor Dos Passos saía outra, vinham e se encontravam na ponte e trocavam de Igreja. Isso foi uma festa que durante muitos e muitos anos se fez em São Gonçalo e quando caiu a ponte acabou a festa, então foi uma coisa que o filme trouxe foi recuperar a procissão de encontro da 5ª feira santa, que é uma festa muito linda. E foi muita gente de fora, de Diamantina, Milho Verde, para a procissão. Outra coisa de grande novidade no filme foi o vaso sanitário, a casinha, que foi objeto de visitação pública na cidade. O filme teve que fazer banheiros, uma série de instalações para acomodar a equipe, mas eram casas enormes, lindas, alugadas por dois mil-réis, a preço de nada. E totalmente vazias, mais da metade da cidade vazia. E tinha uma igreja perto da nossa casa, que tinha um órgão enorme. E eu passei três meses de padre, vestido de batina. E nas horas vagas ia lá para a igreja de batina ficar tocando órgão. Foi uma experiência maravilhosa, essa impregnação de um personagem. Porque nós todos deslocados de suas casas, de seu lugar, num outro lugar, que era o lugar do personagem, o lugar do filme, né? Então todo mundo concentrado, nesse sentido. Era precário, a gente levava duas horas só para ir a Diamantina. Era um caminho só de pedras, que só de jipe se podia descer. E em Diamantina tinha sorvete Kibon, tinha telefone, a gente telefonava, tomava sorvete e voltava para São Gonçalo. São Gonçalo era o nosso lugar do cinema, fora do tempo... atemporal mesmo aquele lugar. Passávamos o tempo todo filmando ou falando de cinema. Era cinema o tempo todo. O copião chegava e não tinha como ver, então se abria a lata e se ficava vendo fotograma. Depois se arrumou uma enroladeira, você ia passando o filme na enroladeira e procurava ver fragmentos da cena. Era uma emoção ver a olho nu a cena...

Isso já depois de alguns meses, né?

Três meses e meio ficamos lá, e foi uma maneira maravilhosa de começar cinema, porque o Joaquim era muito rigoroso nos conceitos de arte e cinema. E ele fez o IDHEC, oInstituto de Altos Estudos Cinematográficos de Paris, e foi aluno do Roberto Bresson, que também é um cineasta muito particular, rigorosíssimo... seco, né? O Bresson trabalhava muito com um ator argentino, o Joaquin Nassale, porque ele era inexpressivo, não tentava ser um ator expressivo, ser dramático... Porque o Bresson esvaziava o ator de qualquer qualidade dramática, era só a ação física, uma forma neutra que interessava para ele. É claro que no Bresson existia um sentimento de um existencialismo cristão, o mundo da ausência de Deus, havendo nos movimentos, nas ações, nos gestos, alguma coisa que não se realizava completalmente, se esvaziava, porque era o mundo da ausênsia de Deus. Nos gestos, por exemplo... Diretamente o filme do Joaquim nasceu do Diário de um pároco de campanha, do Bresson. Que foi o filme inspirador, deu linha para o Joaquim, a partir de Bresson. Então o Joaquim me deu muito a consciência do ator em cinema como material em ação... quer dizer, muitas vezes eu era filmado de costas... Porque era mais importante o movimento do padre silencioso na noite, andando de costas, algum coisa misteriosa, sem que você pudesse detectar o sentimento que ele tinha, do que o ator tentando expressar algum sentimento particular. O ator no cinema, isso aprendi com o Joaquim, é um significante. O significado, a história, o espectador dá significados a esse significante que é o ator. Mas tem que ser aberto de significados, não pode ser fechado. Como o ator interpreta muito no cinema ele fecha, ele está triste, ele está chateado – não é isso não. Quer dizer, cada espectador vai atribuir um sentimento particular àquele personagem de acordo com sua experiência de vida de espectador, dentro da história que está sendo contada. O Joaquim trabalhava muito nesse sentido, e dentro do ator por substituição. Quer dizer, você não precisa estar carregando um personagem na cena. Se eu preciso, por exemplo, de uma cena que o padre vem andando pela noite na cidade e encontra o farmacêutico bêbado, que começa a escarnecer do padre dizendo, foi o monólogo do farmacêutico, "Tá apaixonado pela moça...", rindo, escarnecendo. E o padre fica absolutamente imóvel, não diz nada. E o que o Joaquim escolheu, como tema da minha imobilidade, não era tentar ficar sendo o personagem, ouvindo aquele farmacêutico, era tentar lembrar de um poema... Então eu tentei a cena toda lembrar de um poema de Drummond, que é "Resíduo": "De tudo ficou um pouco / do teu riso (...)". Eu ouvia assim o poema: "Da rosa ficou um pouco, dragão partido / flor branca de riso na nossa face...", faltava um pedaço, ia, vinha... Então eu fiquei preocupado exclusivamente em lembrar um poema, o que na cena deu um alheamento, né? Quer dizer, o personagem estava com um tipo de preocupação que esta muito além da circunstância da cena. Ele não estava ouvindo o que o sujeito estava dizendo para ele, porque ele estava pensando alguma outra coisa, de certa maneira era como sair daquela situação, como salvar a moça daquela situação em que ela estava metida, como sair dali... Mas eu não precisava ser o personagem, eu trabalhava por substituição. O ator e o resultado da imagem dava aquele personagem com um sentimento vago, você não sabe o quê que é. Você atribui sentimentos a ele. Isso eu aprendi com o Joaquim e serviu para o resto da vida no cinema. Sempre que eu faço cinema eu procuro ser o menos expressivo possível, sou absolutamente inexpressivo. Porque não é uma representação, é uma vivência. Então, se você trabalha comigo tem que ter muita impressão e pouca expressão. A expressão a câmera vai te dar, a câmera se aproxima de uma maneira quase obscena no close, né? Então você tem que estar habitado por dentro, sempre pensamentos passando, algum movimento interno seu acontecendo, porque você vê no olho isso. Agora, não se preocupe em representar o personagem, que isso é mais coisa da natureza do teatro mesmo. E quando eu vejo no cinema os atores representando muito eu me lembro sempre do Joaquim. Ele não deixava, nem no momento de tensão, se eu estava com a boca fechada e tinha essa pulsação no maxilar (exemplifica om o maxilar), "Não faz assim, não pode ter nada, absolutamente nada". O rosto é uma transparência, uma imobilidade, porque nessa transparência que o espectador vai colocar sentimentos. É às vezes é mais importante o ator estar de costas, cenário, janela, o ator no fundo, de costas, olhando para fora... Você tem uma imagem de desolação, de o quê que eu faço da minha vida... E a duração do plano, o tempo, a gente conta que o cinema é o tempo da ação, é o tempo da imagem. Essa imagem durante algum tempo é mais expressiva do que um close no ator pensando: "O que faço da minha vida agora?", fazendo careta representativas, que é uma coisa muito fraca. O cinema te dá a oportunidade de você ser material da ação, de você trabalhar de costas, de você executar bem a ação física. O Spencer Tracy dizia do negócio da ação física: "O ator tem que saber o papel, saber respirar e não tropeçar no cenário". Quer dizer, é a ação física mesmo, tem gente que tropeça no cenário, se atrapalha, erra a distância das coisas, né? Isso aprendi com o Joaquim, ele foi meu mestre no cinema...

Como foi sair do teatro e fazer uma representação nula?

No teatro de Arena a gente já trabalhava com o método Stanislavski, que de certa maneira é um método da sub-representação já. De realismo a ser visto a pequena distância. O teatro de Arena de São Paulo era de um realismo quase naturalista, porque era um teatro pequeno, de 140 lugares, em que o publico ficava a esta distância que estamos aqui. No Arena o teatro que se fazia, diferentemente do teatro de palco italiano, onde o ator tem que fazer uma ampliação da forma para alcançar todos os espectadores, no Arena, ao contrário, era tudo absolutamente fechado. O Arena estava pronto para ser feito em cinema. Um espetáculo do Arena estava pronto para botar uma câmera e filmar. Porque eram vivências. A gente não representava para o público, a gente representava na interelação entre os atores. O público recebia isso, o cara estava nas minhas costas, mas tinha alguma noção do meu sentimento através do que estava ouvindo. Era tão importante ouvir como falar. São coisas características do cinema. Você sabe que Stanislavski marcou muito todo o cinema americano, desde os anos 20, quando ele foi para lá, e depois o Actor’s Studio. Praticamente todos os atores americanos passaram pelo Actor’s Studio, e criaram essa forma de representação do understatement, que é exatamente o método do Stanislavski e do Arena. Então não havia dificuldade, era só reduzir um pouquinho mais o tom que a gente já tinha no Arena, projeção mínima... E, no cinema, menos, né?...nada!.. Mas algumas coisa correndo por dentro, podia ser o sub-texto dos personagens, podia ser, como Joaquim fazia às vezes, substituição... tentando pensar em alguma coisa, para ter a imagem de uma cara introspectivo, pra dentro, preocupado com outra coisa... Levei isso para o resto da vida.

E os outros atores? Se o Fauzi tem uma diferença de tom dos demais, do silêncio da Helena, o seu personagem vai num crescendo...

O Fauzi era muito para fora, o Joaquim tinha dificuldade para segurar o Fauzi. Porque ele tinha essa coisa careteira, tinha muitas caras, e isso para o Joaquim era difícil, ele queria uma coisa mais inexpressiva, leve, plana...Eo Fauzi... Muitas mãos, o Fauzi tinha muitas mãos. Já a Helena Ignez tinha um trabalho mais naturalista e o Mário Lago também, uma coisa mais baixa. Porque os personagens você conta também pelos atributos que se diz deles, pela ação deles, você vai conhecendo o personagem... O ator não precisa querer interpretar demais esse personagem, né?.. Mas o Fauzi era uma certa dificuldade mesmo para o Joaquim. Por causa dessa... O Joaquim achava obsceno fazer um plano fechado com um ator fazendo uma grande careta. Quanto mais a câmera se aproximava, mais econômico você tinha que ser. O filme tem poucos closes, porque o close up é um questão moral também. O close-up é muita responsabilidade no cinema, você não chega e põe impunemente um cara com um rosto de 5 metros diante de você, isso tem que ser muito significativo. E o Joaquim sabia bem disso. E, depois, o cinema dele não tinha coisa de campo e contracampo, ping-pong, sabe? Planos cruzados falando, falando... A mise-en-scène vai se desenrolando, a câmera vai mudando de lugar, a história vai mudando e, com isso, o ponto de vista vai mudando também. Não fica como um saltador, você vê a ação de um lugar só em cada momento. A ação vai para lá se você quer ver de lá, e não pode voltar mais para cá, a ação vai te levar a um outro lugar, você vai seguir vendo. Então, é uma visão muito purista da linguagem cinematográfica. E o Joaquim é exemplar. O plano de detalhe, para ele, é assim, olhou o relógio, aí cortou pra close no pulso com relógio? Só se esse relógio for a coisa mais importante do filme! Tudo que se conta nesse ponteiro de relógio tem que ser absolutamente, quando bate meio-dia, alguma coisa que, plan!, o relógio do tamanho da tela... Porque dar um detalhe do cara olhando o relógio não tem sentido. O cinema usa muito o recurso do plano de detalhe, até para criar passagens, criar descontinuidade, para o Joaquim isso era inconcebível. Você montava muito plano aberto para plano aberto, com variações pequenas, mas era o movimento da história que levava a câmera para outra direção. Ele trabalhava muito com planos de lente normal, a 55mm, a 35mm, que te abre um pouco mais. E algumas coisas da moça em teleobjetiva. A moça, que é alguma coisa descolada, mais abstrata em relação à paisagem, aí se recorre à teleobjetiva. E a fotografia de Mário Carneiro, que era um excelente artista gráfico, era um branco e preto de alto contraste. Tendia muito para a gravura: paredes brancas com partes pretas... porque era "Negro amor de rendas brancas", "Aqueles dois/ aquele um amor negro de rendas brancas", mais ou menos isso definiu a fotografia do filme, esse negro amor de rendas brancas, esse preto-e-branco de alto contraste. E o Mário trabalhava muito bem com isso, essas luzes radicais. Ele usava mais Plus-X, filme que se usava mais, sempre com forte contraste...

E seu relacionamento com a equipe nestes 3 meses?

Quase nos matamos, foi perfeito... Nós nos dávamos muito bem, na verdade eu me dava mais com a equipe do que com os atores. Porque o Fauzi Arap ficava lendo Clarice Lispector, ele tinha levado Paixão segundo GH e ele relia todos os dias. Ficava dizendo "aquela barata na porta...", porque Paixão segundo GH se passa todo numa lapso em que uma mulher esmaga uma barata, aquela gosma branca que sai da barata, e o Fauzi ficava sempre pensando naquela barata... A Helena Ignez se abstraía lá na paisagem, e o Mário Lago ficava jogando cartas com a Rosa Sandrini. Jogando buraco, os dois. E eu ficava com a equipe, com Joaquim, Escorel, Mário, falando de cinema... Mas a convivência foi ótima, foram três meses e meio muito felizes. Virou uma coisa muito consistente, muito forte, muito definitiva, marcou as pessoas que fizeram esse filme... a mesma força da gravura, da fotografia do Mário Carneiro, em preto e branco, ela cavou fundo na gente, o cheio, o vazio, o preto, o branco... todos nós somos filhos do O Padre e a Moça, todos que passaram por ali.

Você reviu o filme recentemente?

Eu vi, eu tenho em vídeo. Então, eu fiz algumas exibições, você mostra, empresta para outras pessoas e acaba vendo também... E acho o filme extraordinário. O filme tem essa intransigência do Joaquim em relação ao cinema, que faz com que ele não tenha envelhecido em nada, ele tem uma atemporalidade total, quer dizer, não é datado. Não tem nenhum cacoete, uma bossa, um modismo dos anos 60 que fosse. Ele é um filme, é cinema. Podia ser feito em ‘20, ‘40, ‘60, ‘80, 100, é um filme... É um filme lento, que se processa muito devagar. Mas tem pessoas apaixonadas mesmo pelo filme, o filme tem grandes fãs, pessoas que acham uma coisa extraordinária, maravilhosa. E eu também. Acho que não é para o grande público, mas é fundamental na história do cinema brasileiro. Porque é corajoso em todos os sentidos. Quando O Padre e a Moça foi feito foi exatamente numa época de grande movimentação política, o CPC da UNE, né? E o Joaquim tinha Couro de Gato, que aliás entrou no Cinco Vezes Favela e o Joaquim tinha feito separado. O Couro de Gato era um curta do Joaquim que depois a UNE incorporou a outros filmes: Pedreira de São Diogo, do Leon, o filme do Cacá, do Miguel Borges e depois fizeram Cinco Vezes Favela. Mas Couro de Gato é um filme pessoal, diferente dos outros, que tinham um recado político mais direto. E O Padre e Moça veio exatamente em 65, 66, após o golpe, quando estava se pedindo aos artistas uma resposta mais direta ao golpe militar. E o Joaquim, ao invés de trazer um filme político, como era legítimo na época, traz O Padre e a Moça. Uma história de um padre que tem um caso com uma moça no interior de Minas, né? Pô, que coisa mais alienada! Então na primeira sessão de estréia o pessoal do CPC da UNE tinha preparado uma ação para destruir a sessão, iam jogar gás sulfídrico, aquele que tem cheiro de ovo podre, fazer umas ações durante o filme. Foram preparados mesmo, mas o Joaquim era uma pessoa tão digna, tão decente, que as próprias pessoas que foram fazer esse ato cederam ao Joaquim, cederam ao filme... Houve um certo movimento no início, mas um silêncio durante o filme todo, e quando acabou o filme a gente viu uma reação muito estranha. Porque tinha tido muita gente que tinha ido para não gostar, para fazer esse ato contra o filme. Tinha sido preparado antes, isso aí, inclusive pessoas amigas nossas, mas que naquele momento exigiam do cinema um cinema político, de denúncia. Mas no final do filme todas essas pessoas ficaram sentadas, houve dificuldade de levantar do cinema. Porque o filme desconcertou as pessoas... porque não era um filme político, mas não era jamais um filme alienado. Porque um filme que te toca humanamente, que te atinge como ser humano, jamais pode ser alienado, mas um filme verdadeiramente, profundamente humano. Então você perde os parâmetros de julgamento, porque naquela época se dizia politicamente válido ou inválido. Isso é fácil de definir: isso é politicamente válido. Ótimo. Inválido? Pronto! A coisa é boa ou ruim. E O Padre a Moça saia dessa possibilidade de rotulação simples, política. E foi um filme perturbador. Igual a esse avião que está passando aqui (ouve-se um avião ao fundo), o filme fez um ruído nas pessoas. Não tinha nada a ver com nenhuma plataforma de cinema novo, mas ao mesmo tempo era absolutamente novo, e intrinsecamente cinema novo. Sem nada da plataforma política do Glauber, que era mais panfletário do sentido do cinema. O Joaquim não abriu mão dessa sua subjetividade de artista, era um filme mais pessoal, mas absolutamente universal também. Sem rótulos. Com a primeira sessão de perplexidade, toda aquela gente sentada, paralisada, o que foi ótimo...

O filme acabou dando um certo prejuízo, aí ele fez "Macunaíma"...

É o Macunaíma depois era o Joaquim, ele mesmo se procurando. Um pessoa muito autocrítica, ele queria também sair do seu lugar, da condição de aristocrata, de filho da aristocracia. Porque o Joaquim é Joaquim Pedro Melo Franco de Andrade. Os Nabuco, os Melo Franco, são todos parentes. Ele é afilhado do Drummond, do Manuel Bandeira. Então tinha uma coisa de menino privilegiado, de aristocrata, de que ele tinha consciência. Ele não queria ver o mundo de um lugar só. Embora ele tivesse uma visão muito ampla do mundo, ele sabia que estava vendo dali da Nascimento Silva 190, do andar de cima, onde embaixo havia a grande a grande biblioteca do Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade. Havia aquela base cultural no térreo, enquanto ele estava no andar de cima fazendo cinema. Então ele procurou fugir disso quando foi fazer Guerra Conjugal, procurar um cinema para deixar de ser bom moço, dizer palavrão, pegar uma temática mais obscena.

Chegando ao "Vereda Tropical"...

É, o caso do Cláudio Cavalcanti com a melancia é maravilhoso. É a cara do Joaquim também, para sair do "bom mocismo" da aristocracia, da família dele. E no Macunaíma também era um esforço, um esforço bem logrado, de, de dento da nova vertente tropicalista do Oswald de Andrade, ele pegar o Mário de Andrade e fazer uma certa síntese de Mário com Oswald de Andrade. Quer dizer, é um Joaquim muito movido com Oswald, mas usando o Mário. Então tinha essa fusão de Mário com Oswald, que era ótimo, interessantíssimo. Além disso ele quis fazer um filme mágico, sem nenhuma magia, um filme caseiro, não tem truque não tem artifício. As coisas mágicas são porque são. O gigante Pietro Piedra é um gigante comedor de gente, mas ele está ali na sua frente, não aparece com a fumaça. Os seres sobrenaturais, os seres da floresta, são todos próximos. O filme é lindo nesse sentido, porque é muito exigente, o Joaquim, não cedeu a qualquer truque. O filme tem uma narrativa linear, limpa, direita...

E a atuação no "Macunaíma"?

Macunaíma, ao contrário de O Padre e a Moça, é um filme de narrador, é épico, tem um narrador que conta a história. Então os personagens agem como na comédia, demonstrativamente. Porque não é dramático. Então, a referência básica do trabalho era o Grande Otelo mesmo: "Ai, que preguiça!". Eu fazia a mãe no começo, que dizia "Amanhã à tardinha firim fim fim", e o pai respondia: "e eu com vossa mãe forom fom fom". Isso tudo tem que ser dito, né?, porque o Macunaíma não é psicológico, né?... Enquanto O Padre e a Moça foi um filme todo de introversão, o Macunaíma é todo extroversão da comédia mesmo, contada epicamente. Mas também maravilhoso de fazer, facílimo de fazer, porque era prazeroso, era brincar no sentido de jouer, de act, de play. Brincamos com todos, jogando em cena, todo o elenco, Otelo, eu, Milton Gonçalves, Rodolfo Arena, Jardel, Mirian Muniz... um eleco ótimo, muito divertido...

Sempre talento para escolher o elenco...

O Joaquim? Fazia certinho, botava na mosca... Embora eu tenha sido escolhido por absoluta falta de opção do Joaquim...

Você já contou isso uma vez...

É, porque ele tentou todos os atores do Brasil e nada. E eu do lado dele: "Que que você acha de fulano?". E eu dizia "bom, fulano é legal, é bom ator..."... e ele: "Mas acho que ..." e vinha alguma coisa desmerecedora, até que no fim foi "não tem tu vai tu mesmo". Já tinha sido padre, fui ser Macunaíma. Mas foi mais de um mês de sofrimento ali do lado dele, esperando ele me chamar e nada. Convidava todo mundo no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Ceará, todos os atores passaram pela cabeç dele, e eu tão perto, era só começar, texto decorado... e nada... Mas foi ótimo, engraçado isso do Joaquim, não queria dar a sensação de círculo, de voltar. Eu era o padre de O Padre e a Moça, Macunaíma ele queria fazer com uma outra pessoa, até para aumentar o campo de experiência dele, de experiência humana, de conhecer outros atores. Mas como de certa maneira já tinha o Otelo, que era a grande novidade... porque a grande novidade foi botar Otelo num filme de cinema novo...

Tem o "Rio Zona Norte"...

Exatamente, está lá no início com Nelson Pereira dos Santos, depois não tem mais. Ainda mais o Otelo da chanchada, era inconcebível. E o Joaquim...

E tem o "Assalto ao trem pagador"...

Sim, mas é a coisa do papel dramático, usando o Otelo como cara do morro, do subúrbio... Mas o comediante, o companheiro de Oscarito, a chanchada, nisso o cinema novo era muito sisudo, não tinha senso de humor, tinha essa coisa reivindicativa, revolucionária, que os deixava muito sem humor. O Macunaíma também foi, dentro do cenário político do cinema novo, bastante perturbador, porque o Macunaíma era uma chanchada não política. Não havia nenhuma referência política direta ao que estava acontecendo naquele ano, em ‘68. Tanto que Macunaíma é o último filme do cinema novo, porque no dia 13 de dezembro de 1968 veio o AI-5, e aí se acabou tudo, e o Macunaíma já estava pronto. E o Joaquim quando foi a Veneza em ‘69 não pôde sair, porque teve uma reunião da OEA, no hotel Glória, e houve uma manifestação contra Castelo o Branco. O Joaquim foi preso, Mário Carneiro foi preso também, vários foram presos em prisão domiciliar e não puderam sair do Brasil. Mas o filme estava liberado, o filme não era político, era comédia.

Mas tematiza a guerrilha, já...

A guerrilheira é uma coisa simpática, né? A história era tão remota, e a guerrilheira acaba explodindo, se dá mal, tod mundo se dá mal.. O herói vira sargento, no fim vê a moça bonita dentro d’água, mergulha e era o Yara, que respirava pela nuca e come o herói. Aí vem a música: "Glória, glória dos heróis nessa terra, essa terra querida chamada Brasil". É o hino do Villa-Lobos com Manuel Bandeira, aqueles hinários do Getúlio. E acaba melancolicamente. Aquele casaco verde, aquela farda verde, sendo afundada e o vermelho saindo de dentro e enchendo a tela. É uma bela imagem final.

Você fez depois uma série de filmes...

Nos anos 60, quer dizer, depois do O Padre e a Moça, o Todas as mulheres do mundo foi o meu segundo filme, com Domingos de Oliveira, o filme do Domingos é que foi um certo boom... de um ator desinibido, solto... Porque em Todas as mulheres do mundo eu fiz a primeira interpretação completamente desteatralizada, porque era cedo simplesmente, o personagem tinha o meu nome, se chamava Paulo José, e era o alter-ego do Domingos. E era baseado na relação do Domingos com a Leila Diniz, e eu fiz com Leila Diniz. Então eram coisas absolutamente reais que se confundiam, a ficção com a realidade, os personagens que estavam à volta eram todos amigos do Domingos, aí deu o boom... Quer dizer, juntando O Padre e a Moça com Todas as mulheres você tinha dois tipos de interpretação completamente diferentes, mas eu estava bem nas duas, estava jogando bem no gol e de centroavante...

Você também fez o filme do Maurício Gomes Leite...

Ah, A vida provisória, fiz, fiz o As Amorosas, Edu Coração de Ouro, O Homem nu do Roberto Santos, Bebel, a garota propaganda, Como vai, vai bem?, A vida provisória, um episódio do Carlos Alberto Pratesl, feito lá em Campos Claros, eram duas média-metragens chamados Os Marginais e, o último desse ciclo, Macunaíma. E eu começo o ciclo com Joaquim Pedro e fecho com o Joaquim Pedro.

E "As Amorosas" no meio disso tudo, como foi?

Era muito particular. O Khouri era a figura estranha do cinema novo. Ele fazia questão de fazer uma declaração de, não de reacionário, pelo menos de cético diante de qualquer possibilidade de você revolucionar o mundo pela ação política, pela ação do cinema. E o personagem que eu faço em As Amorosas é o próprio Khouri, né?

O Marcelo? É a primeira vez que ele aparece...

É, o primeiro Marcelo do Khouri. Depois ele fez vários outros Marcelos. E é um niilista, é contra os movimentos políticos na universidade. É engraçado isso, você vê que o Khouri também é muito autêntico nesse filme. O Noite Vazia, que eu acho o melhor filme do Khouri, e As Amorosas, essa coisa autobiográfica, são absolutamente autênticos, honestos. Depois o Khouri começa a fazer cinema que tem a ver com uma certa negociação com um erotismo comercial. Ele filma bem, sabe fazer cinema. Mas em As Amorosas e Noite Vazia ele ainda está de uma integridade total, são filmes muito honestos, muito límpidos.

São muito bons...

É bom, tem outras coisas... eu revi há pouco tempo é extraordinário, quando lá de cima vem a câmera....

É aquela violência final...

Naquele campo de eucaliptos, né?... É fantástico o filme...

E você é um personagem que não consegue se apaixonar...

É, tem essa falta de relação com outros, essa incapacidade de se relacionar...

É um filme sobre uma crise moral...

Ah sim, bastante moralizante, porque o personagem se dá mal... Mas você não podia acabar de outro jeito, tinha que acabar assim...

Aí você chegou a trabalhar com o Babenco...

Depois foi o primeiro Babenco, foi o Rei da Noite, a primeira experiência de ficção dele . Que o desafio era muito bom, porque o personagem começava com 25 anos e ia até 70, 80, né? Ia envelhecendo durante o filme. Isso já nos anos 70, né? Teve um muito interessante que eu fiz nos anos 70 também. Foi Cassy Jones, um irresistível sedutor, do Luí Sérgio Person. Person é um dos cineastas mais importantes do Brasil, é que ele morreu prematuramente. Ele fez São Paulo, Sociedade Anônima, O Caso dos Irmãos Naves, filmes extraordinários.

E o "Procissão dos Mortos", do "Trilogia do Terror".

Ah sim, o filme de episódios... Mas o Cassy Jones... é engraçado porque, nos anos ‘70, havia terminado o cinema de autor por causa da revolução, do golpe militar. E se preconizava a idéia do produto industrial médio para o cinema brasileiro. O Person fez uma espécie de filme crítico a essa receita, ele fez a receita exacerbada. Se era aparecer mulher pelada, ele botava duzentas mulheres peladas na cena. Tem uma cena que o personagem abre a porta de casa e é invadido por umas vinte mulheres nuas que se atiram em cima dele, ficam lambendo um colchão d’água. Até que a última que entra é a mãe dele, praticamente desnuda, só de calcinha e soutien: "Mamãe!". E aquele bando de mulheres em cima, ele fez uma paródia do pornô chique, que era o projeto que estava vigorando na época, comédia urbana com um pouco de sacanagem, né?... bota mais uma bunda aqui, peito ali, cena de sexo... E o filme do Person é muito crítico. Tanto que Cassy Jones é um filme raivoso, tinha indignação, algo de fazer o filme que ele não queria fazer. Claro que ele queria fazer e fez, mas é exatamente um filme que ele gostaria de estar vivendo um outro tempo, um outro espaço, um outro país, para fazer o filme que ele não estava podendo fazer. Então fez o permitido, só que fez criticando o próprio conceito de filme dos anos ‘70. E o filme é muito bom de ver. Eu revi recentemente, é um filme riquíssimo. Tem uma cópia que a filha do Person fez, ela estava fazendo um documentário sobre o pai e me trouxe. Eu assisti aqui em casa, ela ficou de mandar a cópia pra mim de novo, mas ainda não chegou... mas vale a pena ver...

Aí você entrou na Globo?

É, na Globo fiz minisséries, fiz O Tempo e o Vento,dirigi minisséries, fiz Agosto, Acidente em Antares, agora o Luna Caliente. Gosto muito de Jorge Furtado. O Ilha das Flores, que eu tive a felicidade de ser narrador, é um curta-metragem fantástico. Vai ficando engraçado e vira pesado e quando acaba o filme todo mundo fica... "O resto é verdade"....E o Luna Caliente eu fiz por causa do Jorge.

Você fez bastante curta-metragem...

Curta sim, curta eu gosto de fazer. O dos Moradores da Rua Humboldt foi bom de fazer, porque curta é cinema em liberdade. Eu não gosto do curta que tenta fazer uma anedota ampliada, tipo fazer uns 10 minutos para ter um desfecho anedótico, isso eu não gosto, mas os curtas que são cinema em experiência são ótimos. Eu fiz alguma coisa para o Torero também de narração, isso eu gosto de fazer.

Paulo, você falou da casa, Nascimento Silva 190, não sei se você sabe que ela está sendo demolida.

Eu sei que estão demolindo, não quero ver a casa... Já tiraram a casa do Joaquim, a parte de cima.

Agora estão tirando a parte de baixo, tem a estrutura embaixo...

Pois é, a parte de cima foi projetada por Mário Carneiro. De lá são minhas primeiras lembranças do Rio, porque eu fiquei entre o Rio e São Paulo depois do Padre e a Moça e a casa do Joaquim era onde eu gostava de ficar. Eu lembro que quando eu chegava passava pela biblioteca do Dr. Rodrigo, tudo silencioso, ele lá lendo... D. Graciema, subia para encontrar o Joaquim e a Sarah, Eduardo Escorel, Mário Carneiro.... era uma casa muito animada, um local de descanso, que eu gostava. O telefone de lá, qual era?, era 227 6414?

Era.

É esse? Foi o primeiro telefone que decorei no Rio.

Agora era 522 6414.

É, porque mudou o prefixo. Eu não decoro números, não sei nem o meu, mas esse eu sei de cor... Eu não quero ver a casa não.

Um dos outros motes do documentário é que a Alice de Andrade está restaurando "O Padre e a Moça", na França.

Isso tinha que fazer. O Macunaíma está com cópia nova. Mas O Padre e a Moça não tem, o que tem está muito destruído, eu tinha em 16mm, mas acabou. E tem em vídeo, mas ruim. Eu queria muito ver isso, ver O Padre e a Moça intacto. E tinha um projeto aí de uma revisita onde tinham se passado certos filmes, e tinham me convidado para ir para São Gonçalo das Pedras e eu me interessei muito em ir. Mas acabou que o projeto não saiu.

A gente quer ir para lá. A gente imagina que a cidade não deve ter se modificado muito.

A cidade não se modificou muito, um alemão comprou inclusive a casa que nós morávamos e fez pousadas. E é perto de Milho Verde, que é um local obrigatório para alternativos e não alternativos. E tem agora uma pousada lá, mas no resto continua igual. Se vocês forem me digam que eu também vou.

A gente deve ir de carro, mas seria um prazer.

Vocês vão gravar lá?

A gente vai ver se acha alguém lá.

Eu me coloco a disposição para ir.

A gente te avisa com antecedência, a gente deve ir no final de fevereiro.

Eu estou livre. Passo janeiro fora e gravo até dia 15 e depois estou livre. Vou para São Gonçalo com vocês. Acho fantástico.

Ver se acha uma das beatas.

Ah, já devem ter morrido.

O Mário Carneiro disse que todas elas eram prostitutas.

É, diziam que elas atendiam o pessoal da equipe.

O Mário disse que eram os garimpeiros. Cada um conta uma história diferente.

Como a memória é falha...

É pode ser, mas garimpeiro só tinha o Borba Gato. Um velho enorme, magro, comprido. Que aparece no filme numa cena, encostado na farmácia, que o padre vai encontrar o farmacêutico. No armazém do Mário Lago também.

E tem duas cenas antológicas... Uma é da caverna...

Foi filmada na gruta de Maquiné. O Mário Carneiro achava que o Joaquim queria nos matar de verdade.

Bom, motivos para matar o Mário ele talvez tivesse...

É, os dois eram super íntimos. E tinha uma disputa de amor mesmo, de paixão. Que o diga a Sarah, que era namorada do Mário e casou com o Joaquim...

E tem outras histórias...

É, mas eu não quero contar...

A fotografia do filme sempre é elogiada e ele não gostou...

O Mário?

O Joaquim. Ele levou vinte anos para reconhecer...

Eles brigavam muito, era uma briga estética. De intransigência do Joaquim em relação ao Mário. Porque o Mário era mais calmo, o Joaquim sempre intransigente. Falava entre os dentes. Mas era delicioso. E o Mário dizia: "Lá está o Joaquim com aquele olhar malsão"

Lembrei agora da história da mula sem cabeça que eles cortaram no filme.

Pois é, eu tive que agarrar a unha a mula, que eme deu um coice e me quebrou um dente. Joaquim adorava dificuldade. Procurando lugar para botar câmera, aí dizia "Câmera aqui!", eu falava "te garanto que tem formigueiro, quer ver?". Ou tinha bosta fresca, lugar ruim de botar a câmera era onde ele gostava de botar. "Câmera aqui!". E com aquela precisão de diretor italiano: pegava o visor vendo a distância com giz, e quando achava o ponto largava o giz. O assistente ia lá, reforçava o risquinho e Joaquim tinha essa coisa do "Câmera aqui". E era sempre um local horrível. Ruim de chegar, de botar câmera. Pelo menos o Mário reclamava muito disso.

O Mário Lago falou que ele o pôs do outro lado do rio e mandou não mexer, e quando ele olhou para baixo tinha uma aranha...

E o Joaquim longe porque era uma teleobjetiva, que fazia também A Hora e a Vez de Augusto Matraga, que estava sendo rodado em Mendanha, nas imediações de Diamantina. E o Barreto era sócio dos dois, e alguns equipamentos iam e vinham, eram comuns. A tele só tinha uma. Alguns equipamentos eram dos dois filmes.

A bateria também era carregada em Diamantina.

Ah, sim, isso era dramático. E Diamantina era horrível de chegar, um despenhadeiro, de jipe... E tinha o problema das baterias que pegava, às vezes, de Matraga. Era o Roberto Santos lá e nós aqui. Às vezes a gente se encontrava em Diamantina e íamos tomar cerveja juntos.



Entrevista concedida a Clara Linhart, Camila Maroja e Daniel Caetano em fevereiro de 2000. Publicada pela primeira vez em setembro de 2002