24/07/2008

Pecados de Guerra (1989)


Há uma tristeza tremenda que parece definir Pecados de Guerra. Em cada plano, cada imagem e cada som há uma dor rara de se ver filmada. Não é agradável, portanto – mas é essa tristeza que justifica e sustenta o filme.

Em plena guerra do Vietnã, o soldado Eriksson é colocado diante do dilema de ser ou não conivente com um crime hediondo cometido por seus companheiros de farda – o estupro de uma jovem vietnamita. A narrativa toma o ponto de vista deste soldado, por mais instável e inseguro que ele pareça ser em diversos momentos. Ele não contemporiza em momento algum, em nenhum instante ele parece aceitar a idéia de ser conivente com o crime – mas ele falha, e com ele falham e falhamos todos. Não, decididamente não é um filme agradável.

A guerra é o inferno para quem está lá, com certeza – e a gente sempre lembra que se tratava de uma invasão a um país que não desejava receber a “ajuda” que vinha da América do Norte (algo semelhante a 2003?). Bem, mas a história é sobre um personagem que lá está, no meio da guerra, num lugar onde a vida pode de fato terminar no instante seguinte. Convive com seus companheiros, fica amigo deles, tem a vida salva por eles, quer sair do acampamento com eles – para encontrar prostitutas locais –, em suma, guerrear é um troço simples, você faz parte dos bons e os inimigos são os maus. Só que, não podendo ter encontros com mulheres em determinada noite (guerra é guerra), os seus companheiros resolvem se exceder um pouco. E aí? Salvaram a vida do cara, são os camaradas dele, até que de repente há um certo surto coletivo – induzido por diversas circunstâncias, inclusive pela estrutura hierárquica – e os caras que têm o discurso de salvar o mundo mostram que perderam em definitivo o respeito pela vida alheia. Fazer o quê, então?

O ponto ético central do filme é nunca tergiversar, nunca negar a gravidade do ato ou justificá-la por conta da realidade que cerca a situação – ao contrário, a narrativa percebe que essa realidade só torna ainda mais problemática a atitude. Não deve ter sido fácil para os americanos ver esse retrato na tela: entraram no país dos caras, mataram milhares dos caras e ainda estupraram e mataram as jovens mulheres do lugar. Além disso, também perderam milhares de vidas e terminaram escorraçados da região – e o início do filme se passa no final do período político seguinte, o de Richard Nixon sendo investigado por Watergate. A expressão de Eriksson ao ouvir as últimas frases do filme (“mas o pesadelo agora acabou...não? Espero que sim.”) indica que, infelizmente, parece que esse pesadelo é recorrente.

Que não se pense, no entanto, que este pesadelo recorrente é privilégio de nações guerreiras – na nossa guerra civil de cada dia temos nossas versões diversas para os gestos doentios da estupidez coletiva de pequenos grupos, como podem atestar casos tenebrosos de vandalismo juvenil. E o que fazer numa hora dessas? O filme se posiciona – tem que ter brio para não ficar ao lado da turma. E sobreviver.

A presença única desse conflito moral – cuja opção não é nem pode ser posta em questão – torna este filme estranhamente diferente dos demais filmes do diretor. Ao invés de trabalhar seu fascínio pela técnica narrativa de cinema e pela analogia com o engodo da aparência, De Palma deixa por um momento de dedicar sua vida ao cinema e dedica seu cinema à vida. Daí encontra a razão de ser do seu projeto e daí também – contando com o desempenho fabuloso do elenco – encontra toda a força e dor que tornam o filme incomum e impressionante.