13/01/2012

E agora, Paulo? - entrevista com Paulo Sacramento

- Sete anos depois de lançar O Prisioneiro da Grade de Ferro, que você dirigiu, e três anos depois de lançar A Encarnação do demônio, filme dirigido por José Mojica Marins que você produziu, quais são os seus próximos projetos?

No momento, não estou trabalhando na produção de filmes de outros diretores - estou concentrado em dois filmes que eu mesmo irei dirigir. Concilio esses projetos com o meu trabalho como montador, que me dá enorme prazer em fazer e é minha fonte principal de renda. Meu primeiro projeto de ficção como diretor chama-se Riocorrente, é uma ideia que eu tenho há muitos anos, um roteiro que já passou por vários tratamentos mas que apenas recentemente se revelou para mim, e foi muito forte. Será uma produção pequena, de baixo orçamento. O segundo chama-se O Olho e a Faca, é um projeto bem maior, que inclui muitas filmagens em uma plataforma marítima de petróleo e necessita de uma estrutura bem mais complexa. Este projeto eu estou fazendo em parceria com a Gullane Filmes, é um filme que demanda bastante planejamento, no qual é fundamental a estratégia, estrutura e logística de produção que eles dominam. Nós nos entendemos muito bem no filme do Mojica (Encarnação do Demônio) e vamos repetir a coprodução.

- Você pode falar um pouco dos enredos dos filmes?

Riocorrente trata de um triângulo amoroso que se encerra a partir de uma atitude voluntária de um personagem, uma renúncia social, digamos assim. O filme se passa inteiramente em SP e será filmado nos bairros que eu conheço em minúcias, frequento desde minha infância. Como eu disse, é um filme de produção pequena, em que faço o roteiro, produzo, dirijo, monto, assim como eu fiz nos meus outros filmes até agora. Já O Olho e a Faca conta uma história de um grupo de amigos muito unido que também se desfaz, e o filme passa a acompanhar de perto a derrocada pessoal de um deles, e sua tentativa de retomar os rumos de sua vida. Na verdade, acho que os dois projetos têm muitas semelhanças, embora seja difícil apontar nesse momento em que aspectos isso acontece. Talvez o que eles tenham em comum é que pretendem, cada um a seu modo, retratar a visão que eu tenho - a partir de minhas obsessões - de algumas questões que surgem nas relações entre as pessoas, em vários níveis. Não é simples explicar isso, já que os filmes não estão feitos, mas os projetos têm relação clara entre si e também têm muito a ver com os outros filmes que eu fiz. Por outro lado, acho também que eles são bastante diferentes dos filmes recentes que eu tenho visto, propõem coisas novas, ou pelo menos a retomada de procedimentos não tão comuns hoje em dia, em termos de linguagem. Claro que vejo os dois como filmes modernos, no sentido de incorporarem em sua carne, desde o princípio, a dúvida, a fragilidade, a incerteza. Eles não são absolutamente unívocos, embora sejam bastante simples e plenamente acessíveis.

- Você fez parte do grupo que, enquanto cursava a ECA-USP, abriu a produtora Paraísos Artificiais. Recentemente, três dos antigos sócios lançaram filmes: Christian Saaghard, com O fim da picada, e Paolo Gregori e Marcelo Toledo, com Corpo Presente. Esses filmes, assim como O prisioneiro da grade de ferro, guardam muito do clima da Paraísos Artificiais.

É verdade, a sociedade se desfez, mas nós continuamos mantendo o clima de estranheza em nossos filmes. Fico feliz em ver isso, mas sinto falta da Débora Waldman também dirigindo. A Débora sempre foi a mais gentil de nós, falava baixinho, mas não nos filmes que ela fez (vejam seus curtas Noite final menos cinco minutos e Kyrie ou O início do caos). De certo modo, naquela época a gente provocava ela a fazer os seus filmes, mas ela também nos provocava a fazer nossos trabalhos. Torço por sua volta como realizadora, ela tem um talento inegável.

- Você comentou que seus novos projetos não se parecem com os filmes que você tem visto recentemente. O que você tem achado do panorama das produções recentes?

Olha, me parece que as pessoas que trabalham com cinema estão angustiadas, e isso se reflete nos filmes. Nunca houve tantas formas de estímulo à produção, tantos concursos de apoio, leis de incentivo, enfim, tantos guichês para cada um apresentar o seu projeto e fazer um filme. Mas, como se sabe, praticamente nenhum desses filmes é visto pelo grande público, ficando restritos a poucos espectadores - com aquelas exceções que a gente conhece. Então os cineastas vivem o tempo todo esse dilema: tentar concessões ou fazer seus filmes com maior radicalidade? Qual seria a decisão correta, a curto e médio prazos? Vejo muitos tentando fazer filme de sucesso, mas quase todos fracassam, pois o projeto inicial não era exatamente "popular". E fica esquisito, frágil. Por outro lado, acredito que é fundamental existir relação dos filmes com o público, a visibilidade é fundamental para manter o cinema como algo relevante na sociedade. Existe um risco no horizonte que em breve o cinema seja como é a ópera hoje. Porque atualmente o cinema só sobrevive graças aos subsídios, e ainda bem que eles existem. Mas ainda bem que existe também a ópera, para a gente lembrar que há formas artísticas que só interessam a poucas pessoas, mas são importantes e precisam ser mantidas. Enfim, eu falo desse impasse, mas obviamente me incluo nele. Vamos ver o resultado desta angústia nos filmes que eu puder realizar, a minha maneira de reagir e propor dentro deste cenário.


Faróis


- O bandido da luz vermelha
(1967, direção de Rogério Sganzerla)

Essencial: o melhor filme já feito, dentro ou fora desse país.

- Filme demência (1985, direção de Carlos Reichenbach)

Eu assisti a esse filme na minha adolescência e decidi de vez por todas que queria fazer cinema.

- Blá blá blá
(1968, direção de Andrea Tonacci)

Esse filme eu só vi quando já estudava cinema na ECA, e me impressionou demais. É um média-metragem, mas sua força extrapola sua duração, ele é para mim tão importante quanto os longa-metragens que cito aqui.

- Ondas do destino (Breaking the waves, 1996, direção de Lars Von Trier)

É um filme arrebatador, lembro que me deixou completamente atordoado por seu discurso, ousadia, liberdade e precisão.

- A grande testemunha (Au hasard Balthazar, 1966, direção de Robert Bresson)

Por falar em precisão... Bresson é um divisor de águas.

- Teorema (1968, direção de Pier Paolo Pasolini)

É ver e se preparar para as mudanças, sempre.

- O bebê de Rosemary (Rosemary's baby, 1968, direção de Roman Polanski)

O filme mais aterrorizante que já vi. Os demônios atuam de fora para dentro ou de dentro para fora??

- Videodrome (1983, direção de David Croneberg)

A descoberta do prazer e do risco, para além de fronteiras.

- 2001, uma odisséia no espaço (1968, direção de Stanley Kubrick)

Não consegui dormir quando vi pela primeira vez. Aliás, assisti em VHS, como vários dos filmes dessa lista. Claro que no cinema é muito melhor, mas o que explode, explode e é perigoso em qualquer formato.

- Lições da escuridão (Lektionen in Finsternis, 1992, direção de Werner Herzog)

Esse curta do Herzog é impressionante, outro daqueles filmes que nos fazem calar a boca. Assisti uma única vez e posso contar o filme em detalhes. Ultimamente tenho para mim que o Herzog é o mais importante diretor em atividade do mundo.



publicada na Filme Cultura nº 52, lançada em outubro de 2010