13/01/2012

Criaturas do mangue

Em fevereiro foi lançado em DVD pelo selo Dark Side o filme Mangue Negro, dirigido por Rodrigo Aragão. É uma boa notícia - sobretudo porque, embora tenha sido exibido e premiado em diversos festivais de cinema do gênero fantástico (como os Rojo Sangre de Buenos Aires e Santiago do Chile), Mangue Negro não foi lançado no circuito de salas comerciais. Assim, este lançamento é uma boa oportunidade de difusão para o filme, e chamar a atenção para ele é uma boa maneira de começar os trabalhos nesta coluna que pretende falar de filmes que não encontram espaço de distribuição nas salas de cinema.

Mangue Negro é um filme de zumbis realizado em 2008, uma comédia de horror que se passa, conforme o título indica, num manguezal de Guarapari (ES). Estreou no festival gaúcho FantasPoa e eu tive a oportunidade de vê-lo na única sessão que teve no Rio de Janeiro, dentro da programação da mostra Semana dos Realizadores. Eu havia visto um curta feito alguns anos antes pelo mesmo diretor, chamado Chupa-Cabra, que já fazia notar o talento para criar o ambiente de uma comédia de horror - mas a evolução entre este curta e Mangue Negro é notável. A partir de um enredo simples, em que os habitantes de uma comunidade começam a virar zumbis, o primeiro longa de Aragão constrói uma atmosfera tensa, com ritmo e humor, além de apresentar alguns personagens memoráveis, como a divertida preta-velha Dona Benedita. Seguindo um modelo raro entre a produção de filmes no Brasil, o filme capixaba se filia ao gênero de horror do americano George Romero - o cineasta que criou, entre outros filmes, a já clássica “tetralogia dos mortos”, que se iniciou com A noite dos mortos-vivos (The night of the living dead, EUA, 1968) - e do italiano Lucio Fulci - diretor de, entre outros, Terror nas trevas (L'Aldilà) e Zombie - a volta dos mortos.

É revelador que Mangue Negro encontre um espaço de difusão através do lançamento em DVDs - um mercado que, como se sabe, entrou em queda nos últimos anos. Isso indica que existem espectadores interessados em conferir em DVD filmes que se enquadram em gêneros como o horror. Embora trate-se de um gênero cujo espaço é bastante restrito na história da cinematografia local, há exceções notáveis: o caso mais célebre é sem dúvida o de José Mojica Marins e seu personagem Zé do Caixão, mas é possível lembrar também de filmes de Ivan Cardoso e alguns outros (recentemente, vários deles foram reunidos na mostra intitulada Horror no Cinema Brasileiro). Nos últimos anos o cenário se alterou um pouco - diversos curtas e longas de horror foram produzidos na última década em diversas localidades do país, a maioria deles de forma amadora, até canhestra (isso inclusive foi alvo de paródia no filme Saneamento Básico, de Jorge Furtado).

Se Rodrigo Aragão (que também assina a fotografia, edição, maquiagem e efeitos especiais do seu filme) não é o único no cenário nacional que, movido pelo fascínio pelo gênero, busca produzir cinema de horror, seu filme tem um vigor narrativo que se destaca entre tantas produções amadoras. Enquanto bons filmes do gênero feitos por outros diretores ainda poderão aparecer nos próximos anos, Aragão já está com outro projeto em vias de produção: A noite do Chupa-cabras, longa-metragem que retoma o personagem do seu curta. As várias mostras dedicadas ao gênero indicam o interesse que este cinema pode despertar, algo que também pode ser percebido em outros países, como nos já citados festivais de Buenos Aires e Santiago do Chile. Que, não por acaso, premiaram Mangue Negro: da safra que chegou a estes festivais de cinema de horror nos últimos anos, o filme capixaba de zumbis é um dos mais interessantes exemplares.

artigo publicado na edição nº 50 da Filme Cultura, lançada em abril de 2010