13/01/2012

E agora, Ivan? - entrevista com Ivan Cardoso

O que te leva a fazer filmes?

Quando eu fiz uma cine-entrevista com o Nelson Gonçalves, fiquei pedindo que ele cantasse cada um dos sucessos do Adelino Moreira que tinha gravado. Teve um momento em que achei que estava exagerando e pedi desculpas, mas ele disse que não se incomodava: “Eu canto essas músicas porque adoro elas!”, e me mostrou o braço para que eu visse como ele ficava arrepiado. É isso, eu faço cinema porque eu sou apaixonado por esses filmes. Tanto é que não mudei de gênero e me sinto muito bem assim.

Seus filmes do terrir sempre assumem um tom de paródia. Como anda o ambiente para isso?

Está ficando cada vez mais difícil. Com a cultura do “politicamente correto”, parece que não tem espaço para nada que não seja careta. Recentemente, eu estava expondo na galeria Paparazzi, em São Paulo, umas fotos que fiz em 1979 do Hélio Oiticica chupando o cano de um revólver. Essas fotos circularam o mundo, mas na Pauliceia Desvairada foram censuradas... Estou escrevendo uma carta ao prefeito Kassab para ele me explicar o porquê. A galeria estava expondo as fotos em outdoors. Acontece que ao lado dela tem uma escola pública e a sua diretora disse numa reportagem que "aquilo não era arte". Ela telefonou para o secretário de Educação, que resolveu, sem saber do que se tratava, interditar a exposição. Não entenderam que o Hélio fez uma tradução metassemântica, ou até "matassemântica", porque ele transformou o revólver em bala... Não é melhor usar um revólver para chupar do que para matar?

E você não está com novos trabalhos em andamento?

O cinema é um dos meus vícios, a fotografia é outro. Como eu sou viciado nestas coisas, tenho vários projetos em curso, como o Dracula's Club, que é o meu preferido, por ser uma história de vampiras. Tenho outros projetos também, como As xifópagas no cio! Um filme divertido, em que essas irmãs xifópagas transam juntas, fazem suingue... Mas quem vai topar patrocinar um filme com xifópagas, ainda mais no cio? Tenho ainda outro projeto, O estrangulador de mulatas. Todos são filmes com grande apelo popular, mas atualmente até mulata é um nome proibido. Agora que os globetes invadiram a nossa praia, o único negócio a fazer é o que eles não podem: radicalizar, submergindo novamente para o underground. Até para escapar deste estado policialesco que estamos vivendo, em plena democracia. Eu tenho grande facilidade para filmar, ainda mais com essas câmeras de vídeo Hi-8, que são muito parecidas com as de Super-8 que eu usava no início da minha carreira. Estou desenvolvendo sozinho uma série de filmes abstratos – já fiz mais de dez, com resultados surpreendentes. Eu saio à noite, quando está chovendo, deixo a câmera com foco automático apontada para o vidro do carro, com as “luzes da cidade” escorrendo pelo para-brisa sem acionar o limpador e saio fazendo travellings incríveis. Eu sinto que isso tem a ver com os meus curtas experimentais, que às vezes ficam eclipsados pelo terrir. Hoje eles circulam bastante no exterior. Em 2007, houve uma exposição dedicada ao Oiticica na Tate Modern, em Londres, onde exibiram os meus filmes sobre ele. No mesmo andar tinha outra exposição, Salvador Dalí e o cinema, onde também estavam passando Un chien andalou, L’Âge d'or, Spellbound... Que outro diretor tupiniquim projetou seus filmes junto aos do Buñuel e do Hitchcock?

Como você vê o esquema atual para fazer e exibir filmes?

Olha, eu estou cansado desta farsa toda. Esse negócio que se chama de cinema brasileiro, pelo qual lutei quarenta anos da minha vida, só existe ainda por causa dessas leis de incentivo fiscal. Falar em cinema brasileiro já é uma coisa meio anacrônica, nacionalista, em torno dessa ideia fajuta de nação. É um jogo sujo com cartas marcadas. Não é a relação com o público que permite que sejam feitos filmes milionários, sempre produzidos pelas mesmas pessoas. Hoje em dia, posso me dar ao luxo de me dedicar mais à fotografia, porque meus trabalhos se valorizaram bastante no mercado de arte. Como sou moço, eu posso esperar os marajás que controlam a nossa Roliudi morrerem para voltar a filmar. Macabro, não é?


Faróis

Os dez filmes que mais influenciaram a concepção de cinema de Ivan Cardoso

– Gilda (direção: Charles Vidor)
O Zé Lino Grünewald dizia que o filme bem montado é aquele que te faz dormir tranquilamente, enquanto o filme mal montado atrapalha o sono. Esses filmes americanos antigos eram tão bem feitos, com bons castings, que eles faziam a gente acreditar em tudo. Podiam mostrar até a Roma Antiga com os atores falando em inglês que a gente acreditava. Vou dar uma de colonizado (ou globalizado): cinema tem que ser falado em inglês. Com a Rita Hayworth, então...

– Uma aventura na Martinica (To have and have not, direção: Howard Hawks)
Para mim, é melhor que Casablanca. Humphrey Bogart é o ator que eu mais gosto, e esse é com a Lauren Bacall, que depois virou sua esposa. E ainda tem o Walter Brennan numa inesquecível interpretação: “Você já foi mordido por uma abelha morta?”

– O túmulo vazio (The Body Snatcher, direção: Robert Wise)
O Boris Karloff é o cara, não é mesmo? Não tem ninguém que se compare. Nesse filme ele é um ladrão de cadáveres. Esse é um tabu – houve um tempo em que os cientistas precisavam fazer isso para pesquisar. E nesse filme Karloff faz um cocheiro que nas horas vagas rouba cadáveres para um médico. É produzido pelo genial Val Lewton.

– Sangue de pantera (Cat People, direção: Jacques Tourneur)
Outro filme do Val Lewton. Quem gosta de filme noir poderia dizer que esse foi um sonho que aconteceu no escurinho do cinema.

– A ilha do dr. Moreau (Island of Lost Souls, direção: Erle C. Kenton)
Mais um do Val Lewton. É impressionante como uma fita P/B, dos anos trinta, com apenas 57 minutos de duração, tenha me marcado a ponto de poder afirmar que Um lobisomem na Amazônia é a continuação dela. Aliás, o Paul Naschy me disse que só aceitou vir ao Brasil para não perder a chance de encarnar o diabólico Dr. Moreau.

– Acossado (À bout de souffle, direção: Jean-Luc Godard)
O Godard foi o grande subversivo da história do cinema. Ele revolucionou e acabou com tudo, decretando a morte do cinema. Foi a partir de fitas como essa que eu comecei a gostar de cinema, e isso foi bom, porque eu comecei a gostar a partir da desconstrução. Foi ele que quebrou todas as regras, podia ter câmera balançando, cortar sem continuidade, o ator olhar para a lente – liberou geral, mas ele fazia isso com sofisticação. E o Belmondo não é o Nuno Leal Maia, mas é sensacional!

– Psicose (Psycho, direção: Alfred Hitchcock)
Uma verdadeira aula de cinema, que me deixa em pânico do primeiro ao último minuto. Talvez seja ainda mais moderno que Acossado.

– A marca da maldade (Touch of evil, direção: Orson Welles)
Com o espetacular plano-sequência de dez minutos abrindo o filme. Diz a lenda que nele Welles teria gastado mais da metade do seu orçamento. É melhor até que Cidadão Kane.

– O homem que matou o facínora
(The man who shot Liberty Valance, direção: John Ford)
Certa vez, perguntaram ao Orson Welles quais eram os três maiores diretores da história do cinema, e o gênio respondeu: “John Ford, John Ford & John Ford.”

– O grande golpe
(The killing, direção: Stanley Kubrick)
É impossível ter a pretensão de fazer uma lista dos Dez Melhores Filmes. Mas de uma coisa você pode estar certo: Stanley Kubrick não estará fora dela.

Um bônus:

– O bandido da luz vermelha (direção: Rogério Sganzerla)

Esse é um raro filme brasileiro que é americano. É bem filmado e montado pra cacete, os atores são sensacionais. É uma tristeza, o cinema brasileiro matou o Sganzerla. E por quê? Porque ele era o melhor de todos; um cara desses só surge a cada cem anos.




Ivan Cardoso – Lista “lado B”

Ao contrário dos meus colegas - imagino eu - não tenho uma formação clássica de cinema. Depois de ver O bandido da luz vermelha, já com 16/17 anos, resolvi ser cineasta.

Na verdade foi meu pai quem me introduziu desde cedo no escurinho do cinema. Aliás, naquele tempo - década de 1950, sou de 1952 - o grande must eram as festinhas de aniversário, em que a melhor diversão eram os projetores 16mm, que passam os aguardados filmes... O meu pai também tinha um projetor 8 mm, me introduzindo na sétima arte, assistindo sempre o mesmo filme que ele tinha do Hopalong Cassidy! Eram filmes projetados num lenço de bolso!...

Além do Hopalong Cassidy (que seria o número 1), minha lista teria:

2 - Filmes de Tarzã com o inigualável Johnny Weissmuler - que passavam nas festinhas de aniversário dos filhos do dono daquela casa em que filmei O segredo da múmia. Dois filmes que passaram no meu aniversário nunca saíram da minha cabeça: Os irmãos corsos & A sombra da guilhotina.

3 - As fabulosas matinês do Tom & jerry

4 - O pirata sangrento/ A volta ao mundo em 80 dias/ Sansão & Dalila/ O maior espetáculo da terra/ 300 de Esparta / Ben hur/ El Cid/ A ponte do rio Kwai

5 - Marcelino pão e vinho - trauma da semana santa, o filme passava no colégio

mostrando o copo de cristo morto fora da cruz antes de ressuscitar... Pior e mais aterrorizante que o Mojica.

6 - telefilmes: Os intocáveis, Danger man, Rota 66, Impacto, Lanceiros de bengala, Cidade nua, Além da imaginação, Os três mosqueteiros, Ivanhoé, Os invasores, O fugitivo, Bat masterson, Zorro, Perdidos no espaço, Mike Nelson, Nacional Kid, Rin tim tim, Wyatt Earp, Agente da uncle, O adorável Tab Hunter.

7 - Vendo uns fragmentos de informações & fotos do que existe na net sobre uma novela do canal 6 tupi, O preço de uma vida, descobri o que deve ter me chamado atenção para o gênero do terror e sempre esteve debaixo do meu nariz e não via: o lendário Dr. Valkur, interpretado pelo não menos legendário Sergio Cardoso!
Obs: essa informação é inédita, nunca antes revelada...

8 - Os filmes do Elvis Presley &, muito mais tarde, o impacto de assistir no cinema mais de trinta vezes Help, dos Beatles

9 - Os filmes de Hércules com o Steve Reeves, com aquelas deusas louras seminuas, talvez tenham me introduzido no voyeurismo do cinema e do meu próprio cinema.

10 - Estreia inesquecível : O satanico dr. No, do 007; sessão inesquecível: Sem Destino (Easy rider), no Copacabana; primeiro filme de arte: Matar ou morrer, no Alvorada; filme que marcou época: Blow up, do Antonioni, em que vi a primeira xoxota no cinema. Aliás, vi & revi várias vezes; também marcou época: 2001, uma odisseia no espaço.

11 – também houve atores q marcaram época; filmes do David Niven, do Burt Lancaster, do Tony Curtis (Anáguas a bordo), do Alberto Sordi, do Alain Delon, do Steve McQuenn, do Charles Bronson.

12 - O bandido da luz vermelha, de novo, e outros filmes brasileiros antigos: O cangaceiro; Deus e o diabo na terra do sol; Terra em transe; Fome de amor; Copacabana me engana; Os paqueras.




Publicada na Filme Cultura nº 51, lançada em julho de 2010. O "Lado B" foi publicado somente no site.