23/08/2016

E agora, Gustavo?



Como você vê as circunstâncias atuais da nova geração de cineastas, no Rio e no Brasil?

Gustavo Pizzi: Tem muita gente bacana. Uma coisa boa dos últimos anos é que atualmente qualquer um pode fazer filmes. E há uma sintonia entre o que se faz aqui e em outros estados. Não sei se dá para chamar de geração, mas tem gente com bons filmes tanto no Rio como em Pernambuco, Minas Gerais, Ceará... Isso faz diferença. Muitos desses novos realizadores fazem seus filmes sem edital e sem patrocínio. E existe uma cultura cinematográfica, que é algo que começou lá atrás, com as grandes mostras internacionais de cinema, as do Rio, a de São Paulo, chegando a essa consolidação dos festivais. Isso permitiu o encontro desses novos filmes e cineastas, como na Mostra de Tiradentes - é a primeira que vem à cabeça, mas tem outros festivais. O acesso a filmes do mundo inteiro hoje também é mais fácil, e isso leva a uma situação cada vez mais interessante. E atualmente há alguns editais voltados para filmes mais baratos, com perfis mais autorais. São filmes que, pelas regras do mercado, têm menos cópias, menos divulgação, então acabam tendo menos público por conta da própria estrutura de difusão. É fundamental que o Estado garanta que eles existam, e também precisa dar suporte para que eles sejam vistos em outros países. Se um filme fizer cem mil espectadores em vários países, na França, nos EUA e outros, isso é bom em todos os sentidos. Se tem uma nova geração com boa pegada de cinema, esses filmes podem encontrar público no mundo inteiro. Por isso, ela precisa tanto desse empreendedorismo, que é uma marca desses dias, como de um apoio estatal para existir e se difundir.


Quais são seus próximos projetos?

Eu não me movo pela ambição de produzir filmes cada vez maiores – tudo depende de cada projeto que me interessa fazer. Tenho feito trabalhos para televisão, o que é bom por ser um exercício constante. Tenho me dedicado à segunda temporada de uma série para a TV Brasil, chamada Onqotô, co-dirigida pelo Daniel Tendler e produzida pela L. C. Barreto. É uma série documental, a partir das idéias do Jorge Mautner sobre o Brasil – nessa temporada a gente vai enfocar a Região Sul, fazendo um diálogo das idéias do Jorge com entrevistas feitas com intelectuais, artistas e cientistas da região. E tenho um projeto de longa metragem que é anterior ao Riscado, chamado Gilda. O Riscado foi um projeto urgente, que tinha que ser feito naquele momento, então foi feito antes, porque não poderia ser feito depois. Já o Gilda era uma coisa cinco anos atrás e hoje é outra, completamente diferente. Isso foi bom, o projeto amadureceu. Com o Riscado eu não podia fazer isso, ou fazia naquele momento ou não faria nunca mais.


Como é a idéia desse filme?

A protagonista de Gilda é uma mulher que cria porcos e galinhas e, em certo momento, entra numa guerra contra a sua vizinha Cacilda, que desconfia que a Gilda tem um caso com o seu marido. Começa então um embate, e o filme é sobre essa guerra e sobre o amor, digamos assim. O roteiro foi inspirado numa peça que a Karine [Teles, sua esposa, protagonista de Riscado] fez, um monólogo escrito pelo Rodrigo de Roure que ela apresentou entre 2003 e 2004. Desde que eu vi a peça, pensei que poderia ser um filme. Um tempo depois, em 2007, a gente tomou coragem e escrevemos um primeiro tratamento de roteiro que tinha quase duzentas páginas, com todos os personagens que ela citava no monólogo. Na peça, a personagem conta toda a vida dela; no filme, a idéia é mostrar cenas dessa vida. É uma personagem aberta, sincera, até ingênua, e as pessoas entendem mal esse jeito de ser. E tem essa questão da vizinhança, das pessoas que vivem juntas e, por qualquer bobagem, de repente podem virar inimigas. Além disso, ela cria galinhas, quer dizer, é uma coisa um pouco mal vista. É uma história simples, como o Riscado era, eu gosto disso. Tentar partir de uma história simples, que qualquer um entende, que mantenha uma força estética, uma intenção de mostrar as coisas de um determinado jeito e que, ao mesmo tempo, isso não se sobreponha à vida da personagem que está ali. Esse é um equilíbrio que eu acho interessante.



DEZ FILMES FARÓIS:


Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, 1963
Esse filme me fez ver o cinema de outro jeito. Eu já tinha visto muito cinema na televisão - aí vi Vidas Secas com 17 anos, logo depois que minha família se mudou para o Rio de Janeiro, e ele me fez entrar naquele ambiente e me marcou muito.


Laranja mecânica, de Stanley Kubrick, 1971
Eu lembro que, quando entrei na cinefilia, tinha aqueles filmes que eram obrigatórios, mas eram muito chatos. Eu tinha medo disso antes de ver os filmes do Kubrick. Aí fui ver Laranja mecânica no cinema, sem saber nada sobre o filme, e fiquei vidrado. Dele, eu poderia lembrar ainda de O iluminado, que me provocou um choque no mesmo nível.

                                                                                               
Acossado, de Jean-Luc Godard, 1960
Poderia ser Alphaville. O cinema do Godard é cerebral e me estimula muito. Eu prefiro os filmes mais narrativos dele, mas mesmo os mais cansativos têm uma coisa forte. Não é um tipo de cinema que eu tenho vontade de fazer, mas me deixa com vontade de fazer cinema.


Uma mulher sob influência, de John Cassavetes, 1974
Poderia ser Noite de estreia. O Cassavetes, a partir de um momento da carreira, acertou um jeito de fazer cinema que parece simples e relaxado e não é nada simples nem relaxado. A relação da câmera com os atores parece fazer alguma coisa acontecer de verdade, o que é muito difícil e é a coisa mais bonita do cinema. Eu gosto dessa verdade que a gente vê no olho dos atores, a mise en scène desses filmes é impressionante.


Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, 1969
O estilo de atuação nem é meu preferido, é grandioso e teatral. Mas as imagens do filme são muito marcantes, eu já me peguei várias vezes lembrando e pensando em imagens e pedaços do filme. Eu poderia ter lembrado O padre e a moça, que tem mais a ver com meu estilo de filme, mas o Macunaíma marcou a memória de um jeito diferente.


8 e ½, de Federico Fellini, 1963.
Pode ser o maior chavão de listas de melhores, mas não tem jeito. É muito visceral e cerebral, tem um lado cínico misturado a um lado pessoal - toda vez que eu vejo de novo, encontro coisa nova.


Em busca da vida (Still life), de Jia Zhang ke, 2006
É um filme que entende o cinema anterior a ele e repensa tudo isso. Ele filmar a China naquele momento, com aquela represa e as pessoas tendo que sair das suas casas, enfim, me deixou curioso e instigou a conhecer um pouco mais da cinematografia chinesa.


O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de Glauber Rocha, 1969
Glauber não era dos meus cineastas prediletos – dos brasileiros, eu preferia Joaquim Pedro. E eu já tinha visto O dragão numa fita VHS e tinha detestado. Aí eu fui ver o filme restaurado, em 35mm, e saí abalado do cinema, foi uma experiência estética muito forte. Eu sou totalmente a favor do digital, mas esse é um filme que precisa da película, do batimento, daquele visual dele.


Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, 2007
É o limite entre a ficção e o documentário, e fala de uma questão que é muito importante para mim: a relação do ator com a emoção. E isso com todo mundo sentado, sem mais nada. É uma aula de simplicidade, mesmo que nada seja simples ali.


O sabor da melancia, de Tsai Ming-liang, 2005

Porque é um filme musical e eu sempre adorei musicais.



Entrevista publicada na Filme Cultura nº 57, de outubro de 2012