23/08/2016

E agora, Adirley?





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A Cidade é uma Só?, você ganhou o prêmio da 15ª Mostra de Tiradentes em 2012. Atualmente, como você se vê dentro do panorama dessa nova geração que está surgindo?

Adirley Queirós - Acho que o cinema desse pessoal que está aparecendo agora e se apropriando do uso das tecnologias digitais tem uma potência grande. É um cinema que, na maior parte das vezes, tem sido feito praticamente sem incentivos e por isso pode contar com uma certa liberdade. Isso tem um recorte geracional: são pessoas jovens que estão fazendo isso e os filmes delas dialogam muito com os lugares em que eles vivem - e o cinema não tem a preocupação de fazer um discurso maior, de apresentar uma visão de todas as coisas. Esse cinema já está sendo percebido a partir de filmes como O som ao redor, que fala de uma forma muito interessante sobre a classe média das grandes cidades. É uma geração que está tentando se livrar das pechas que ainda atiram sobre os filmes brasileiros, como as de que são filmes feitos para o umbigo ou que poucas pessoas assistem. Doméstica, do Gabriel Mascaro, também deve provocar uma boa discussão. Esse cinema ainda procura uma certa legitimação. Não dos festivais ou da crítica, porque nesse meio eles já se fizeram respeitar, mas existe uma legitimação social mais ampla que esse cinema procura, ou seja, conseguir ser visto por mais gente. Eu estou dentro dessa história, mesmo que tenha algumas diferenças – que são basicamente as do local de fala. Não quero dizer que é preciso ser de um local para falar dele, nem que o meu local é melhor ou pior: é só que os locais de onde a gente parte são diferentes e isso é parte dos filmes, a gente assume os locais de fala. O que talvez me diferencie desse grande grupo são questões de enfoque, de gramática, de escolher que tipo de personagens que aparecem. O que me incomoda ainda é que, apesar do discurso de fazer um cinema “fora do centro”, as representações não saem do que se pode chamar de “centro”. Nos meus filmes eu tento mostrar uma fala diferente, uma linguagem diferente – essa coisa de mostrar a gagueira, mostrar personagens meio estranhos, que vivem num outro mundo inclusive na fala. A diferença básica dos meus filmes para os outros que eu vejo é essa busca, que eu ainda estou no caminho e não sei até onde consigo chegar, de uma linguagem que provoque um estranhamento maior  em relação aos locais e às maneiras dos personagens, esse interesse por um desajuste.

E como são seus próximos projetos?

Eu estou terminando um novo filme, um documentário – eu tenho que dizer que é documentário, senão não ganho nenhum edital... Claro que isso é brincadeira porque eu adoro fazer documentários, mas, enfim, é um documentário que fala sobre o movimento Black na Ceilândia , que foi algo muito marcante a partir dos anos 80 e virou referência em todo o Brasil – os músicos Black depois de tocar em São Paulo vinham tocar na Ceilândia por conta daquele movimento. Que de certa forma se contrapunha ao rock de Brasília da mesma época. O movimento Black era muito forte e juntava até três mil pessoas a cada baile, até o momento em que esse baile foi criminalizado, mais ou menos como o funk carioca uns anos atrás. O baile black foi massacrado, foi afastado para longe de onde era e o filme fala disso – até o dia em que a polícia mata um, atira em outro, que perde a perna... Eu encontrei esses personagens, mas eles não querem contar essa história de maneira direta, então eles me propõem inventar um outro filme. Eles queriam fazer uma ficção científica, então é esse o filme que a gente partiu para fazer. O filme se apresenta como ficção, claro que com orçamento de documentário. Esse filme já está quase pronto, vou mandar para alguns festivais, mas não vou lançar ele em Brasília porque aqui a gente não tem diálogo. E estou fazendo outro filme sobre um concurso que fizeram em Brasília em 1995, era um concurso de cartas de pessoas das periferias que seriam abertas em 2010 – iam ser abertas, mas não foram, e o tema era para que cada um falasse do seu amor por Brasília. Agora nós estamos achando esses personagens. Dessa vez eu vou ter que trabalhar com muitas personagens femininas, é uma experiência diferente para mim – eu sou um cara das quebradas, do universo da periferia, machista. E o filme também trata disso, desse universo por onde essas mulheres circulam e vivem.

Filmes-faróis

Django, de Sergio Corbucci
Eu não sou cinéfilo desde novo, a minha cinefilia é muito recente, de uns anos para cá. Hoje em dia eu tenho até que me segurar, porque a curiosidade acaba sendo grande sobre um universo que eu ainda estou descobrindo. Mais jovem, os filmes que eu curtia eram os de caratê ou bangue-bangue. E esse filme é uma coisa fantástica.

Se encontrar Sartana, reze pela sua morte, de Gianfranco Parolini
Outro faroeste e, como o Django, outra história de vingança. É uma história que ficava na imaginação das cidadezinhas do Brasil – ia chegar um forasteiro e aconteceria a vingança.  Eu ainda quero fazer um filme de vingança, já tenho até título para ele: Grande Sertão: Quebradas, uma vingança contra o poder instituído.

Robocop – o policial do futuro, de Paul Verhoeven
Foi um filme que eu vi no cinema na época, na tela grande, e isso me marcou muito, acho que permanece até hoje no meu imaginário.

Blade Runner, o caçador de andróides, de Ridley Scott
Foi outro filme que me abalou muito quando vi no cinema, saí da sala meio fora do eixo... Não ficava pensando em estética do cinema, mas mexeu comigo.

Serras da desordem, de Andrea Tonacci
Aí já é um filme do tempo em que eu comecei a fazer cinema e a querer conhecer mais. É um filme que eu já vi mais de dez vezes e acho que é filme que eu mais gosto.  Se eu tivesse que dizer qual é o melhor documentário do mundo, eu ia dizer que é esse.

O homem-urso, de Werner Herzog
Eu fiquei impactado com essa narrativa dele, como ela te joga para aquele lugar.

Lucio Flávio, o passageiro da agonia, de Hector Babenco
É um filme que eu só vi na televisão e me marcou bastante, era o que a gente podia chamar de cinema policial brasileiro.

O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho
É um filme que parece ser um documentário, é um grande documentário!

Fantasmas, de André Novais
Eu passei esse filme outro dia para uma turma de estudantes e é impressionante como os moleques ficam arregalados com aquela narrativa, com as falas do Gabriel e do Maurílio, aquele sotaque mineiro das quebradas.

São Bernardo/ABC da greve, de Leon Hirszman

Sempre que começam a falar para a gente do Cinema Novo vem a figura do Glauber - e eu gosto muito dos filmes dele, tem que falar dele mesmo. Mas eu não conhecia nada sobre o Leon e o São Bernardo quando vi o filme e gostei demais. Também é um faroeste, do jeito dele. A minha memória é toda de filmes de faroeste, o Fantasmas também é um... E o ABC foi um filme que me impressionou pelas cenas da greve no estádio, eu não tinha idéia de como tinha sido a coisa no ABC.



Entrevista publicada na Filme Cultura nº 60, de julho de 2013