08/04/2009

Meu Nome é Dindi (Brasil, 2007)


Meu Nome É Dindi é dividido por cartelas, e a primeira coisa a se notar é que nestes pontos o filme se divide não apenas em entrechos narrativos, mas realmente em diferentes modulações – quase como se fossem, por exemplo, canções num disco.

Seu primeiro movimento é o mais naturalista e direto, com a protagonista Dindi despertando para um novo dia. Foi para mim, numa primeira visão do filme, o momento mais forte – é um momento bastante bonito na sua simplicidade cotidiana, este em que Dindi desperta, arruma-se e vai abrir sua quitanda.

Em seguida, o filme tem seu movimento mais encenado, no sentido de transformar a quitanda de Dindi num palco onde se apresentam os afetos e conflitos da protagonista – e o tom teatralizado deste entrecho já nos deixa ver de forma mais explícita a encenação nada naturalista que vai guiar o filme a partir daí.

Depois da apresentação do “vilão do filme”, o açougueiro, segue-se um novo movimento, o da paranóia de Dindi, solitária em sua casa, aprisionada entre paredes e apavorada com o barulho da porta. Foi, em todo o filme, o movimento que me pareceu mais próximo de um universo de “gênero cinematográfico” – a referência óbvia para a nossa geração talvez seja a de Repulsa ao Sexo, do Polanski, mas, de todo modo, cabe lembrar que a situação “moça solitária apavorada em casa” é para os filmes aquilo que se chama de standard para os temas de jazz.

Após a chegada do namorado Marcão, o filme executa seu movimento mais arriscado: é o sonho que une Dindi e Marcão numa praia imaginária em que as imagens da memória vêm à tona. Não foi um movimento que me agradou num primeiro momento – me pareceu um pouco óbvio e pesado o surgimento, no fundo e nas bordas do quadro, de figuras referentes ao que falam Dindi e Marcão, enquanto os dois caminham à beira-mar. No entanto, aí o filme não deixa dúvida: ele se desligou inteiramente da apreensão realista para apostar no imaginário, goste-se ou não das imagens usadas. Isso irá ter seu ápice e resolução num caminho engenhoso e arriscado que o filme segue: após o surgimento e assassinato de um velho palhaço, voltamos ao espaço do apartamento de Dindi e o sonho se imbrica com o cotidiano.

O movimento seguinte logo se assume inteiramente melodramático, levando os sentimentos ao limite. A trama toma um caminho em que o excesso é o tom: Dindi perde um pai que não teve e o amor que sonhou - e em seguida desmorona. Depois, só lhe resta voltar ao cotidiano, num movimento final que repete de forma mais simples o tema que iniciou o filme de forma tão bonita, como um disco de jazz em que ao final um dos temas é retomado em versão mais curta e madura. Dindi volta à vida cotidiana como uma Alice que viu algumas maravilhas tristes em apenas um dia e depois voltou para fechar o círculo da sua história.

Como mencionei, estranhei um bocado o movimento em que o filme se descola do apartamento para a praia deserta – me pareceu a princípio que foi uma mudança de clima que transtornou o filme. Mas, na saída, ainda com ele quente na cabeça, conversei por alguns minutos com uma amiga que me afirmou o contrário, que foi nesta parte que embarcou no filme. De fato – não se trata aqui de querer relativizar opiniões ou evitar mencionar pontos problemáticos, ao contrário. Mas o que isso me fez pensar foi que aquele ponto que me pareceu a princípio problemático era, aí sim, um princípio programático do filme. E um princípio admirável no sentido de, como um sonho errante, trazer à tona o que tem de melhor, a capacidade de imaginar sem medo do risco ou do ridículo. Isso dá ao filme uma personalidade própria, que faz os movimentos errantes de Meu Nome é Dindi ter mais vitalidade do que os caminhos acertantes que a preguiça das regras leva tantos outros filmes a trilhar.


Texto originalmente publicado na Contracampo em outubro de 2007 com indicação de destaque, retirado do ar poucos dias depois, após ter sido suprimida a indicação.