08/04/2009

Edward Mãos-de-tesoura (1990)



Mesmo para os que já tinham notado a veia criativa presente em Os fantasmas se divertem, foi uma tremenda surpresa a chegada desse Edward Scissorhands no circuito, na virada da década de oitenta para os anos noventa. Burton e sua equipe conseguiram trazer ao filme o tom fabulesco que seria buscado em quase todos os seus filmes dali adiante, um tom que pede personagens bem definidos, talvez até caricatos – principalmente no caso dos vilões – encarando tensões e conflitos análogos ao nosso cotidiano.

E eu diria então que, escondido em sua dramaturgia infanto-juvenil, Edward Scissorhands ainda me parece a melhor e mais bem-resolvida fábula (ou, para ser mais exato, conto-de-fada) de Burton, ao menos até o momento, onze anos depois de ter sido feito o filme. Justamente por assumir este olhar fabulesco e infanto-juvenil, me parece que o intento da narrativa cabe nela mesma, uma vez que funciona à perfeição a história do rapaz que trava seu primeiro contato com o mundo e se vê incapaz de tocar nas coisas com o cuidado necessário para não as destruir. O jovem Edward é um caso exemplar de adolescente que não consegue adaptar suas esquisitices aos preconceitos e medos do chamado “mundo normal”. Com seu olhar “de criança” diante desse “mundo normal”, Edward Mãos-de-tesoura certamente é um dos filmes que criticam o cotidiano dos subúrbios americanos, com vários de seus personagens-protótipos, de forma mais mordaz e inteligente – e olha que a concorrência é grande...

Achei interessante notar que, no final, Edward termine por se esconder novamente em seu castelo, desistindo de encarar e conviver com seus semelhantes-mas-não-muito, atitude que até poderia ser confundida com um desejo secreto de um imaginável cineasta-autor, uma vez que esta opção em tudo difere do caminho escolhido e percorrido por Tim Burton, o diretor que encara os orçamentos e desmandos dos grandes estúdios em nome da feitura de filmes com um estilo pessoal, único. Interessante, de fato, ainda mais se contraposto ao final do seu Cavaleiro sem Cabeça, onde a etapa de crescimento termina com a superação das dificuldades, esclarecimento das mistificações e reconhecimento de que a vida tem seus mistérios definitivos, uma saída sem sombra de dúvida mais madura, uma vez que transcende o conflito entre os desejos pessoais e as expectativas sociais. Vendo assim, hoje temos então um cineasta mais consciente dos conflitos que deve encarar e da sua responsabilidade diante deles.

Mas isso é mera interpretação da vida que não aparece nas telas. Na tela, Edward é um filme de contos-de-fadas com uma moral em defesa do respeito às diferenças, brilhantemente narrado, musicado e interpretado. Os elogios aqui às interpretações de Johnny Depp, perfeito, Wynona Rider, Dianne Wiest ou Alan Arkin, delicioso com seu jeito preguiçoso, seriam mais do que justos, mas ainda assim banais. No entanto, não há como classificar a curta e bela homenagem ao grande Vincent Price (que Burton já havia reverenciado na animação Vincent, anos antes) senão com os maiores elogios. Se já não tivesse todos os motivos que citei aqui para rever esse filme e mais muitos outros, preciso notar que somente esta homenagem já me traria prazer mais do que suficiente para justificar essa revisão.


Texto publicado em agosto de 2001.