08/04/2009

Banquete (2002)

Banquete não é um filme agradável. Sequer se pode dizer que seja bastante criativo – a situação se resume a dois mendigos que devoram os restos de um restaurante enquanto conversam da forma mais esnobe possível. Não é, portanto, um filme sedutor, sob qualquer aspecto – e, parecendo ter a intenção de ser um filme divertido, tem aí um problema sério para as suas ambições.

No entanto, há algo em Banquete que pode ficar embatucando as idéias por algum tempo. Há algo ali que traz um incômodo difícl de se livrar para os que preferem “esquecer os filmes ruins”, algo bastante difícil de digerir neste Banquete. Vamos dar nomes aos bois, porque o elemento que torna presente este incômodo tem nome e sobrenome: Norma Benguell.

Seu parceiro no filme é José Wilker. Há aqui o que os americanos chamam de miscasting, a escolha do ator errado. Wilker encarna bem o seu papel, porque mau ator não é, mas aqui o caso não é de ator encarnar, aqui a interpretação precisa de uma representação simbólica. No lugar de Wilker, apenas um ator seria apropriado: Guilherme Fontes.

Para os que vivem no planeta Marte cinefílico, cabe esclarecer que Norma Benguell e Guilherme Fontes têm em comum o fato de terem sido acusados – por uma certa parcela da imprensa – de malversação de verbas de origem pública na feitura dos seus filmes O Guarani e Chatô (além de terem dividido o set de A Cor Do Seu Destino na década de oitenta). Se esta malversação aconteceu de fato ou não, isto é assunto para os tribunais. O que interessa aqui (porque é o que o filme desperta) é o significado que adquiriu a figura de Norma nas telas.

Norma come os restos. Devora, e a câmera não se furta a buscar o close mais obsceno e desagradável do seu mastigar das sobras dos outros. Entre os grã-finos, Norma é uma mendiga que se locupleta. Sendo culpada ou inocente – e sem que isso represente justificativa para coisa alguma – ela é uma mendiga. Nós somos mendigos.

Sim, bela e batida metáfora, todos nós brasileiros somos mendigos no baile internacional dos grâ-finos. Mas é mais do que isso.

Marcelo Lafitte é presidente da associação carioca de curta-metragistas. Não há muito o que escolher nessa situação. É preciso mendigar por restos e é preciso tentar manter um discurso elegante e digno – no de apresentação do filme, misturaram-se vivas ao presidente eleito Lula e ao time do Fluminense (que logo foi desclassificado do campeonato nacional).

Norma é atriz, diretora e produtora de cinema. Fez seus filmes com o patrocínio do MinC. Com os restos de verbas do fechamento da Embra e dos impostos dos gringos (não custa lembrar que ela entregou os filmes que prometeu e cujos projetos foram aprovados).

Nossos filmes atuais são feitos dos restos dos impostos devidos, dos restos da produção e circulação de capitais.

Mendigos somos nós. Nós brasileiros, como imaginaria o clichê? Sim, mas o recado é pra quem vê (e faz) o cinema que está à margem (quase toda a produção nacional). Mendigos somos nós. Nossas possíveis malversações são mendigas, nosso discurso empolado não disfarça nossas humilhações. Mas os restos... bem, os restos estão aí, para serem devorados por quem souber se tornar amigo do garçom. E, mal ou bem, são restos caros.


Texto publicado em dezembro de 2002.