Hoje, após Alain Resnais assinar a realização de vários filmes ao longo de décadas, talvez nós possamos dizer que há um elemento decisivo que divide a sua produção em dois momentos: é exatamente a perspectiva histórica que os primeiros apresentam. Para além da obviedade rasteira de apontar que nos primeiros anos de carreira Resnais assinou diversos documentários e posteriormente só fez filmes de ficção, o que quero dizer é que esta noção de perspectiva histórica também pode ser apontada em Hiroshima Mon Amour e mesmo em O Ano Passado em Marienbad – que, talvez justamente por isso, são seus filmes mais lembrados e citados. Não é por acaso: de certo modo, até Marienbad o cinema de Resnais encarou questões centrais do que chamamos de era moderna; a partir de Muriel, seus filmes apresentam relações e questões que, de certo modo, já se faziam presentes em Hiroshima e em Marienbad – mas, se até este ponto os filmes assinados por Resnais tratavam de questões explicitamente próprias de um determinado momento, a partir de então seus filmes seguem outro caminho. Não estão mais no ambiente da reflexão histórica, mas nos ambientes das relações entre casais, da encenação dos personagens, dos sentimentos que eles apresentam, da imaginação... entre dramas e divertimentos, seus filmes passam a usar elementos atemporais.
A idéia de que seria possível dividir os filmes da carreira de Resnais entre uma fase histórica e outra atemporal encontra o ponto de crise e virada no Ano Passado em Marienbad. Já é um filme ahistórico, até por ser um filme que confunde em forma de ficção as noções de tempo e memória. Mas, em meio a uma história de amor contada num interlúdio de tempo, Marienbad filia-se a um momento histórico do mesmo modo que Hiroshima, por conta de sua narrativa e do curto-circuito que ela provocava nas formas convencionais. Se, de certa forma, o interesse pelo ambiente das relações já guiava os dois filmes como guiaria os filmes seguintes de Resnais, Marienbad fez parte do seu tempo como os outros – cabe apontar a participação de Robbe-Grillet no projeto, em meio às suas defesas das inovações do Novo Romance e notar que o escritor (e mais tarde também cineasta) já havia trabalhado com narrativas enigmáticas em livros como La Jalousie.
Muito já se escreveu sobre a falência do projeto de modernidade europeu. No entanto, estes primeiros s filmes de Resnais podem oferecer uma síntese dos problemas que a corroeram: o racismo e a dominação étnica (As Estátuas também morrem), as conseqüências da guerra de bombardeios (Guernica) e, enfim, o uso do racionalismo científico para matar (Noite e Neblina) e destruir (Hiroshima mon amour); fez, em seguida, O Ano Passado em Marienbad: um filme sobre o que é narrar, o que é a memória, o que são personagens.
Daí em diante, a partir de Muriel, Resnais fez filmes que se apresentam como divertimentos (como A Vida é um romance, Quero voltar para casa e On connaît la chanson) e outros de tons mais graves. Seu cinema mergulhou nos mundos encenados destes personagens - e tanto Providence quanto o projeto Smoking/No Smoking tratam disso, de forma mais ou menos explícita (não por acaso, estão entre seus melhores momentos, junto com o belo Morrer de Amor).
texto publicado no catálogo da mostra Alain Resnais, ocorrida em agosto, setembro e outubro de 2008 nos CCBBs de Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília