Certo, esse enredo tem um quê de exagero – outros cineclubes surgiam ou já existiam, tanto no Rio de Janeiro quanto em outras cidades no final dos anos 70 e início de 80. Mas, se há um pouco de lenda, há também muito de veracidade na história: a atividade contínua do grupo que fez o Estação e a sua capacidade de divulgar e ampliar seu trabalho – até o momento em que um patrocínio do então Banco Nacional passou a garantir as despesas imediatas – fizeram a diferença e permitiram que o grupo ampliasse suas ações por outras salas de cinema no Rio de Janeiro e em outras cidades do país. E as salas do velho Estação Botafogo se tornaram símbolos desse percurso, desde as primeiras mostras na sala 1 e os filmes em 16mm na sala 16 – após a primeira reforma, a sala 2 passou a exibir o acervo em 16mm, enquanto a sala 3 permitia mostras e estréias menos convencionais.
A inevitável nostalgia, agora que a sala 1 exibe somente filmes em cópia digital, talvez nos traga à memória o tempo em que o Estação era ponto de encontro, não apenas por causa dos filmes que estavam sendo exibidos. A saudade virá ao lembrar da pizza borrachuda (e deliciosa) e a cerveja sempre gelada do botequim que foi fechado para dar lugar a uma bombonière, assim como podemos sentir saudade da fileira de duas cadeiras na sala 1, ideal para casais, ou da Tabu (o jornalzinho que depois se promoveu a Revista e sempre teve distribuição gratuita para os freqüentadores), ou mesmo do velhinho guardador de carro da Rua Mena Barreto. Mas a verdade é que a fileira, que ficava à esquerda de quem entrava no cinema, talvez fosse adequada para namorar, mas não era confortável para os casais que resolvessem assistir ao filme. Do mesmo modo, a cerveja gelada em garrafa era certamente mais barata e simpática, mas a degustação das pizzas de mussarela do botequim não era um hábito aceitável por muitos anos – qualquer médico de bom senso certamente desaconselharia que alguém tivesse aquilo por refeição anos a fio. Quanto ao idoso guardador, que por anos garantiu o alto-astral do lugar, resta-nos ter a esperança de que esteja bem em sua velhice. E quanto à Tabu, bem, o fato é que hoje há mais espaço para se discutir cinema, inclusive com maior profundidade (mas ainda guardo alguns exemplares da revista cá comigo).
E se o Grupo Estação agora cresceu e ganhou o mundo, ao mesmo tempo acabou encontrando um novo modo de manter seu espírito cineclubístico, a partir da revolução que fez no Odeon-BR.
Mas os leitores certamente perceberão que o Odeon-Br merece ser assunto de uma outra crônica. O Estação Botafogo, por sua vez, continua com suas atividades desde a década de 80. Tem hoje uma das melhores locadoras de vídeo e DVD do Rio, e até que os pães de queijo da bombonière são gostosos (mas a cerveja, em lata, é cara). A programação continua com seus acertos, é claro. E, ao entrar naquele cinema, nós, que descobrimos nosso amor ao cinema na década de 80 e naquele cinema vimos pela primeira vez filmes da Atlântida, vários Buñuel, Vidas Secas na sala 1, muitos filmes de Godard, Herzog, Wenders, Truffaut e René Clair na sala 2 e uma impressionante mostra Belair ainda em 1991 na sala 3, nós percebemos que aquele lugar tem uma importância histórica considerável no cenário cinematográfico. E essa aura mística lhe cai bem.

Texto escrito para a edição nº 3 da Revista Paisà, impressa em julho de 2006.