17/02/2014

Estação Botafogo - o início de tudo

A história hoje já ganhou ares de lenda: o movimento cineclubista estava bastante abandonado quando um grupo de amigos se juntou para cuidar de um cinema empoeirado que ficava ao lado da saída do metrô de Botafogo, em 1985. Dali pra frente, tudo ficou diferente.

Certo, esse enredo tem um quê de exagero – outros cineclubes surgiam ou já existiam, tanto no Rio de Janeiro quanto em outras cidades no final dos anos 70 e início de 80. Mas, se há um pouco de lenda, há também muito de veracidade na história: a atividade contínua do grupo que fez o Estação e a sua capacidade de divulgar e ampliar seu trabalho – até o momento em que um patrocínio do então Banco Nacional passou a garantir as despesas imediatas – fizeram a diferença e permitiram que o grupo ampliasse suas ações por outras salas de cinema no Rio de Janeiro e em outras cidades do país. E as salas do velho Estação Botafogo se tornaram símbolos desse percurso, desde as primeiras mostras na sala 1 e os filmes em 16mm na sala 16 – após a primeira reforma, a sala 2 passou a exibir o acervo em 16mm, enquanto a sala 3 permitia mostras e estréias menos convencionais.

A inevitável nostalgia, agora que a sala 1 exibe somente filmes em cópia digital, talvez nos traga à memória o tempo em que o Estação era ponto de encontro, não apenas por causa dos filmes que estavam sendo exibidos. A saudade virá ao lembrar da pizza borrachuda (e deliciosa) e a cerveja sempre gelada do botequim que foi fechado para dar lugar a uma bombonière, assim como podemos sentir saudade da fileira de duas cadeiras na sala 1, ideal para casais, ou da Tabu (o jornalzinho que depois se promoveu a Revista e sempre teve distribuição gratuita para os freqüentadores), ou mesmo do velhinho guardador de carro da Rua Mena Barreto. Mas a verdade é que a fileira, que ficava à esquerda de quem entrava no cinema, talvez fosse adequada para namorar, mas não era confortável para os casais que resolvessem assistir ao filme. Do mesmo modo, a cerveja gelada em garrafa era certamente mais barata e simpática, mas a degustação das pizzas de mussarela do botequim não era um hábito aceitável por muitos anos – qualquer médico de bom senso certamente desaconselharia que alguém tivesse aquilo por refeição anos a fio. Quanto ao idoso guardador, que por anos garantiu o alto-astral do lugar, resta-nos ter a esperança de que esteja bem em sua velhice. E quanto à Tabu, bem, o fato é que hoje há mais espaço para se discutir cinema, inclusive com maior profundidade (mas ainda guardo alguns exemplares da revista cá comigo).

E se o Grupo Estação agora cresceu e ganhou o mundo, ao mesmo tempo acabou encontrando um novo modo de manter seu espírito cineclubístico, a partir da revolução que fez no Odeon-BR.

Mas os leitores certamente perceberão que o Odeon-Br merece ser assunto de uma outra crônica. O Estação Botafogo, por sua vez, continua com suas atividades desde a década de 80. Tem hoje uma das melhores locadoras de vídeo e DVD do Rio, e até que os pães de queijo da bombonière são gostosos (mas a cerveja, em lata, é cara). A programação continua com seus acertos, é claro. E, ao entrar naquele cinema, nós, que descobrimos nosso amor ao cinema na década de 80 e naquele cinema vimos pela primeira vez filmes da Atlântida, vários Buñuel, Vidas Secas na sala 1, muitos filmes de Godard, Herzog, Wenders, Truffaut e René Clair na sala 2 e uma impressionante mostra Belair ainda em 1991 na sala 3, nós percebemos que aquele lugar tem uma importância histórica considerável no cenário cinematográfico. E essa aura mística lhe cai bem.





Texto escrito para a edição nº 3 da Revista Paisà, impressa em julho de 2006.