De que maneira você vê o seu percurso em relação aos outros cineastas que foram seus companheiros de geração?
José Mojica Marins:
Eu sou filho de um toureiro com uma dançarina de tango. Meu pai fazia touradas
no Largo Arouche, isso acontecia quando eu era criança – não era tão comum no
Sul, mas na Bahia também faziam touradas. E eu era levado por eles para essas
apresentações, porque era filho único e eles tinham que cuidar de mim, não
tinha com quem deixar. Depois, quando resolvi fazer cinema, comecei sendo um
elemento estranho no Brasil, principalmente depois que fiz À meia-noite levarei sua alma e criei o personagem do Zé do Caixão,
um louco violento que sonha encontrar a mulher perfeita para ter filhos.
Ninguém havia feito filmes de horror no Brasil até então, e até hoje a produção
é muito pequena, quase não existe - já tentaram até fazer co-produções
internacionais, mas nunca dá certo, nunca deslancha. É uma pena, porque a
cultura tem muitas lendas que poderiam ser aproveitadas nos filmes. O caso é
que para fazer filme de horror bom tem que gostar de verdade do gênero, não é
uma questão de fazer comércio. E eu sempre gostei. Desde adolescente, bem
jovem, eu lia muitas revistas de terror, como Sexta-Feira 13 e Terror Negro,
e queria fazer filmes daquele gênero. Depois, muitos críticos associaram meus
filmes a de diretores que me admiravam e que eu considero muito bons, como o
Rogério Sganzerla, o Luís Sérgio Person, o Ozualdo Candeias, o Carlão
Reichenbach. O Jairo Ferreira falou isso naquele livro dele, Cinema de
Invenção, que até hoje eu ainda quero conseguir um exemplar. Eu fiquei muito
amigo do Jairo, do Sganzerla. Eles me ajudaram muito quando eu fiz O despertar da besta, muita gente me deu
negativos de graça para conseguir fazer o filme.
Após finalizar a
trilogia do Zé do Caixão, que precisou de quatro décadas para poder ser
terminada, como você vê a repercussão do seu trabalho nas novas gerações?
Existem vários jovens cineastas tentando fazer seus filmes, e sempre costumam mostrar muito interesse pelos meus filmes nos festivais. Apesar de ainda não termos uma produção grande, eles podem ter condições melhores do que as que eu tive em quase todos os filmes. Aqui no Brasil a gente sempre teve dificuldade para continuar a produção, o que dava certo mesmo era pornochanchada. Eu mesmo tive que fazer filmes pornográficos em certo momento para poder trabalhar, e aí fiz os filmes mais escatológicos que podia. O despertar da besta ficou interditado durante vinte anos pela censura – imagina como eu fui prejudicado por isso! E ele sempre foi meu filme favorito entre os que eu fiz, junto com Finis Hominis. De todos os filmes que eu fiz, só dois tiveram um custo de produção mais alto: o Exorcismo negro, produzido pelo Aníbal Massaini, e A encarnação do demônio, meu filme mais recente. No caso do Exorcismo, eu ainda consegui filmar tudo na metade do cronograma que o Massaini costumava seguir. Esse é um filme que eu gosto muito, queria ter uma cópia dele, já ate pedi à empresa do Massaini.
E quais são seus próximos projetos?
Agora estou envolvido com a preparação das filmagens de Maldito, um filme que vai ser feito com base na biografia que o André Barcinski e o Ivan Finotti publicaram anos atrás sobre mim. Eu estou colaborando no roteiro, que vai contar com relatos de coisas que eu vi, que eu mesmo presenciei. Além da minha infância, eu quero contar de quando eu trabalhei num jornal como especialista em casos sobrenaturais. Muitas vezes eles me levavam para acompanhar casos que rendiam semanas e mais semanas de reportagens de capa, como nos casos mais conhecidos do bebê diabo e do vampiro de Osasco. Ou seja, vai ser um filme sobre a minha vida, a do cineasta José Mojica Marins, mas também vai mostrar o mundo segundo a minha visão. O Barcinski prevê que vamos filmar tudo até o final do ano.
Filmes-faróis
A torre de londres (Tower
of London, 1939)
É um filme com o Boris Karloff, eu assisti quando era
bastante jovem e tinha cenas que nunca saíram da minha memória. Tem um momento
em que uma criança enfia a mão por
debaixo de um portão, aí o Karloff vê a mão e pisa ela com força – era muito
forte. Isso me inspirou em muitas cenas, a crueldade do Zé do Caixão vem daí.
E o vento levou...
É uma obra prima, um filme da época em que se faziam grandes
produções. Eu sempre gostei de mergulhar nesse mundo fantástico que o cinema
trazia.
O bebê de Rosemary
É um terror violento, marcou muito aquela época. É uma pena
que o Roman Polanski nunca mais tenha feito outro filme no mesmo nível.
Festim diabólico
É um filme fabuloso, tudo é mostrado como se fosse num plano
só - a câmera fica rodando a sala, vai para cima e para baixo sem cortar. É
muito criativo, tudo feito artesanalmente, só com imaginação. No Encarnação do demônio a gente fez assim,
não tinha quase nenhum efeito, foi muito artesanal.
Psicose
Foi uma fita que marcou muito. Até hoje todo mundo lembra dela
quando vai ao banheiro e olha para as cortinas do chuveiro.
O mágico de Oz
Esse foi outro filme que eu vi ainda jovem, e era um filme
que trazia uma alegria interna muito grande quando eu era adolescente.
A bela da tarde
Aí já é um filme que entra mais no meu gênero, filme sem
trucagem, só a vida cotidiana. E aquilo é uma história que pode acontecer com qualquer mulher, não é
mesmo?
Os pássaros
Outro filme do Hitchcock, esse porque é um terror feito só
com pássaros – ele conseguiu deixar todo mundo com medo de passarinho. Eu lembro
que, quando eu era escoteiro, fui com vários amigos ver o filme no cinema. Todo
ficou morrendo de medo, menos eu. Eu já tinha visto mais filmes, então fiquei
fascinado com tudo aquilo.
Os brutos também amam
Lembro muito da
relação do caubói com a criança. Esse é um faroeste que mexe com o lado humano,
não é só ação.
Spartacus
Eu sempre gostei de fitas históricas, e essa era incrível,
com romanos, escravos, era uma época tremenda. É uma fita muito dramática, com
aquela imagem inesquecível do Kirk Douglas crucificado. Aparece ele e mais um
grupo de gente na cruz, mas ele que era o grande galã, então era muito forte.
Entrevista publicada na Filme Cultura nº 61, de novembro de 2013.
Entrevista publicada na Filme Cultura nº 61, de novembro de 2013.